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Volume 3 Número 1 - Maio de 2011
ISSN: 2177-6571

IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DE ATRIBUTOS PARA COMPOR INDICADORES DE DESEMPENHO PARA O TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS

IDENTIFICATION AND ANALYSIS OF ATTRIBUTES TO WRITE PERFORMANCE INDICATORS FOR THE INTERSTATE ROAD TRANSPORT OF PASSENGERS
25/05/2011

Felipe da Silva Medeiros
Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT

Professora Drª Christine Tessele Nodari
Laboratório de Sistemas de Transportes - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS)

Resumo

A partir da evidente expansão do setor de transportes no Brasil e do refinamento das exigências e demandas dos consumidores, torna-se necessário o desenvolvimento e a utilização de ferramentas capazes de permitir e facilitar a gestão, tanto por parte das empresas quanto por parte dos órgãos públicos de controle. Neste sentido, a implementação de um sistema de indicadores de desempenho pode representar significativa melhoria na visualização dos caminhos a serem seguidos, a fim de qualificar a prestação do serviço de transporte rodoviário de passageiros. Este artigo visa identificar atributos que possam compor índices que contribuirão, na visão dos stakeholders do setor, para a melhoria na qualidade da prestação deste serviço. Na busca deste objetivo realizou-se um Grupo Focal, com a presença de profissionais do setor e de usuários do transporte. Disso resultou a identificação das demandas que ambos entendem como mais importantes. Por fim, uma comparação entre a proposta da ANTT com aquilo que foi identificado demonstra que existe certa conformidade no entendimento, sugerindo, entretanto, algumas complementações nos atributos que comporão os índices par ao sistema de indicadores categorizados.

Palavras-chave: indicadores, desempenho, transportes.
Abstract

From the obvious expansion of the transportation sector in Brazil and the refinement of requirements and demands of consumers, it is necessary the development and use of tools to enable and facilitate the management, both by companies and by regulatory agencies. In this sense, the implementation of a system of performance indicators can represent a significant improvement in visualization of the way to be followed in order to qualify the service provision for passengers. This article aims to identify attributes that can compose indexes that will, in the view of stakeholders in the sector, to improve the quality of this service. In pursuing this goal we carried out a focus group, attended by professionals of the transport sector and transport users. This resulted in the identification of the demands that both see as most important. Finally, a comparison between the proposal of ANTT with what was identified shows that there is some compliance in mind, suggesting, however, some additions to the attributes that comprise the index pair to the system of indicators categorized.

Keywords: indicators, performance, transportation.

1 Introdução

O crescimento contínuo no número de habitantes do Brasil, bem como a melhoria nas condições econômicas da população e o aumento na sua expectativa de vida, gera significativa elevação na demanda por transporte, concomitantemente, os incentivos financeiros concedidos pelo governo, a fim de fomentar o turismo interno, têm contribuído para o aumento na demanda por serviços de transporte de passageiros. Segundo pesquisa realizada pela FIPE em 2001, 76,1% das viagens domésticas do transporte terrestre interestadual de passageiros são motivadas pelo lazer e turismo (MARTINS, 2004).

Além disso, tem-se que aproximadamente 95% da movimentação interestadual de pessoas no território brasileiro se dá através do transporte rodoviário de passageiros (CRUZ, 2008), que é responsável por 131 milhões de passageiros ao ano (ANTT, 2008), movimentando cerca de R$ 31,7 bilhões de reais (IBGE, 2007).

Neste sentido torna-se evidente a necessidade de que os órgãos públicos, sobre os quais recai a responsabilidade de regular e fiscalizar este tipo de transporte, tenham uma atuação técnica eficiente e sejam capazes de promover melhoria na segurança, na eficiência, no conforto, na rentabilidade, enfim, em todas as características e princípios que produzirão um sistema de transporte rodoviário de passageiros com qualidade adequada.

Para Lima (1996 apud BERNARDES, 2006) a qualidade é a resposta adequada à necessidade do cliente ou usuário. Neste aspecto fica evidente que estas necessidades são dinâmicas e variam de acordo com a condição sócio-econômico-cultural de cada região do país.

Entretanto, deve-se ter em mente que, apesar das diferenças culturais existentes nas diversas regiões do Brasil, o serviço de transporte deve ser prestado de uma forma qualificada e segura em todo o território nacional e, talvez seja por isso que a Constituição Federal de 1988 define em seu artigo 21, inciso XII que compete a União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (BRASIL, 1988).

Neste sentido foi publicada a lei nº 10.233/2003 que atribui a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT - a função de regular e fiscalizar tal mercado. Nesta missão a ANTT deve harmonizar, preservando o interesse público, os objetivos dos atores do setor (usuários, empresas e governo), garantindo que a movimentação de pessoas e bens se dê com o cumprimento de padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nas tarifas, objetivando um maior desenvolvimento econômico e social do país (BRASIL, 2003). Mas como garantir que os padrões estejam sendo cumpridos? Quais são estes padrões? Neste aspecto é de fundamental importância a aplicação de ferramentas de gestão que permitam aferir, matemática ou graficamente, quão bem está sendo prestado o serviço, se ele é prestado ou não de acordo com as necessidades sociais da população e qual a direção a seguir para melhorar a qualidade deste serviço.

Uma importante ferramenta, que pode facilitar o controle e direcionamento das ações para conquistar estes objetivos, é a utilização de indicadores de desempenho, pois conforme Harrington (1993, apud MÜLLER, 2003, p. 109) “se não puder medir, não pode controlar; se não controlar, não pode gerenciar; se não gerenciar, não pode melhorar”.

Com base no exposto este trabalho tem como objetivo identificar um sistema de indicadores de desempenho capaz de medir a qualidade na prestação dos serviços de transporte rodoviário de passageiros, possibilitando ao regulador uma forma técnico-quantitativa de aferir a conformidade na prestação do serviço com os padrões exigidos, inclusive no que tange à quantificação clara de quais são os padrões, algo que hoje é um tanto difuso.

Para tanto, levar-se-á em consideração muito mais a visão de reguladores, amparada nas necessidades dos usuários, do que os aspectos econômicos do transporte, que não serão objeto deste trabalho, que está organizado nas seguintes seções. A primeira trata da introdução, onde se acrescenta informações pertinentes a contextualização. Após, é descrita uma revisão teórica sucinta, onde se observa o que está sendo pensado e realizado atualmente. Também são apresentadas informação sobre a metodologia utilizada para realização do trabalho. Ao final, são explicitados os resultados obtidos pelos pesquisadores, apresentando-os em uma breve conclusão.

 

2. Referencial Teórico

Esta seção do trabalho irá apresentar uma revisão que demonstra a atual situação dos indicadores de desempenho na área em estudo, apresentando os esforços que estão sendo feitos para inserir uma ferramenta técnica na gestão dos contratos de concessão dos serviços de transporte interestadual de passageiros. Demonstrando onde estes esforços se encaixam na legislação atual, de forma simples, sem aprofundar a parte técnica do direito, o que não se encontra no escopo deste estudo.

2.1 Princípios

Não há dúvidas de que o transporte rodoviário de passageiros, especialmente o interestadual, tem uma importância extremamente significativa quando se trata de promover a integração e o desenvolvimento regional e social, devido à sua grande abrangência e o baixo custo relativo (MARTINS, 2004). Neste aspecto são diversos os instrumentos legais que preservam os interesses sociais deste tipo de transporte.

Considerando este aspecto, conforme enunciado pela lei nº 10.233/2003, é de responsabilidade da ANTT, dentre outras, editar e elaborar normas aplicáveis aos serviços de transporte terrestre de passageiros, no âmbito de sua atuação, bem como fiscalizar a correta execução destes serviços (BRASIL, 2003). Além disso, seus atos devem ser regidos por alguns princípios, dentre eles (BRASIL, 2003):

1) Preservar o interesse nacional e promover o desenvolvimento econômico e social;

2) Proteger os interesses dos usuários quanto à qualidade e oferta de serviços de transporte e dos consumidores finais quanto à incidência dos fretes nos preços dos produtos transportados;

Os princípios referenciados podem ser desdobrados em diversas atribuições específicas que vão dar conta da maneira como se protege os interesses dos usuários, quais são estes interesses, como preservar os interesses nacionais, de que maneira o transporte de passageiros pode promover o desenvolvimento econômico e social, qual o preço adequado para cada tipo de serviço, dentre outras inúmeras questões, que surgem da necessidade de se cumprir tal determinação.

2.2 Panorama atual

A situação atual do Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros – TRIP – é, em sua maior parte, regulamentada através do Decreto nº 2.521/98 e das resoluções da ANTT, que se baseiam neste decreto, sendo ele o cerne da regulação do TRIP atualmente. Nele estão previstos alguns indicadores da boa qualidade da prestação do serviço, são eles (BRASIL, 1998):

I. As condições de segurança, conforto e higiene dos veículos, dos pontos terminais, dos pontos de parada e de apoio;

II. O cumprimento das condições de regularidade, continuidade, pontualidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade e cortesia na respectiva prestação;

III. A garantia de integridade das bagagens e encomendas;

IV. O índice de acidentes em relação às viagens realizadas;

V. O desempenho profissional do pessoal da transportadora.

Como fazer para compor os dados que farão parte de cada um destes indicadores é o que se apresenta como a grande questão, que, na opinião dos autores, permanece sem resposta. O atual sistema de medição, adotado pela ANTT, prevê os seguintes indicadores (ANTT, 2008):

1. Índice de regularidade dos serviços: caracterizado pela divisão do número de viagens programadas, isto é, cadastradas junto à ANTT, pelo número de viagens executadas;

2. Índice de eficiência do serviço: divisão do índice de aproveitamento do serviço pelo índice de aproveitamento fixado para cálculos de tarifa na planilha tarifária;

3. Índice de eficiência da permissionária: é a multiplicação do índice de eficiência do serviço pela relação entre percurso médio anual (quilometragem percorrida por veículo) real e o percurso médio anual utilizado para cálculo da tarifa;

4. Índice de qualidade da permissionária em relação à frota: relação entre a idade média real da frota da empresa pela idade máxima de operação considerada na planilha tarifária vigente;

5. Índice de qualidade da permissionária em relação à segurança: relação entre o número de acidentes por passageiro x milhão de km referência pelo número de acidentes por passageiro x milhão de km verificados.

O indicador número 1 é quantitativo e mensura apenas se a empresa cumpre determinação legal, eis que é obrigação da permissionária realizar todas as viagens que se encontram programadas junto ao cadastro da ANTT, pois o número mínimo de viagens é parte integrante do contrato de concessão que deve ser cumprido na integra (BRASIL, 1998).

Já o segundo indicador é econômico, pois mede o índice de aproveitamento do serviço, ou seja, qual foi a ocupação do veículo durante a execução daquele serviço, sendo o índice de aproveitamento padrão, ou seja, aquele utilizado para a composição tarifária, de 61% (ANTT, 2006), com a ressalva de que este índice pode ser modificado ano a ano. Da mesma forma, o terceiro indicador possui fundo econômico, pois relaciona o indicador anterior com a relação entre a utilização dos veículos de cada empresa com a utilização padrão que é de 133.672,80 km/veículo/ano (ANTT, 2006).

O quarto indicador também tem cunho econômico, apesar de ter uma relação com a qualidade do serviço. Seu lado financeiro provém de que não há limite para idade máxima da frota em circulação no TRIP, mas existe, no cálculo da tarifa, um momento onde o veículo foi totalmente depreciado. Já o lado que mede a qualidade do serviço prestado, vem do pressuposto de que veículos mais novos, geralmente possuem tecnologias embarcadas mais novas e que são capazes de proporcionar maior conforto e segurança aos usuários.

O quinto e último indicador divulgado no anuário estatístico, publicado pela ANTT, tem um direcionamento específico que é aferir quão seguras estão sendo as viagens realizadas, pois relaciona quantos acidentes ocorrem com determinada empresa, proporcionalmente ao número de passageiros transportados e distâncias percorridas, em relação a um número de referência, que não foi encontrado (ANTT, 2005). Um fator pede destaque neste indicador que é a influência do número de passageiros transportados no índice que mede acidentes o que pode distorcer a realidade deste indicador.

É visível a falta de indicadores capazes de mensurar a real qualidade no serviço prestado. Não há mensuração direcionada às percepções dos usuários, todos os indicadores têm algum fundo econômico, o que contraria os conceitos de qualidade amplamente aceitos na atualidade, ratificando a necessidade de maior atenção e estudo, tanto por parte da ANTT, quanto por parte do meio acadêmico. Neste aspecto, existe a proposição, por parte do órgão regulador, da aplicação de um novo sistema de indicadores, que devem ser parte integrante dos contratos de concessão, advindos de uma licitação de linhas que está próxima e será mencionada adiante.

2.3 Novos Indicadores

A ANTT, quando da criação do programa PROPASS BRASIL – Projeto da Rede Nacional de Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros – que está sendo executado em virtude da obrigatoriedade constitucional de licitação para todos os serviços de TRIP, acrescentou na proposta pública dos novos contratos de concessão alguns novos indicadores de desempenho, são eles (ANTT, 2009):

    1. Índice de qualidade do transporte (IQT): composto por uma relação entre os seguintes indicadores específicos:

  •     Índice de conforto (IC): relação da satisfação dos usuários com o conforto e o atendimento às normas de conforto;
  •     Índice de cortesia (ICo): mede a satisfação dos usuários quanto à cortesia;
  •     Índice de higiene (IH): relação da satisfação dos usuários com a higiene e o atendimento às normas de higiene;
  •     Índice de confiabilidade na conclusão de viagens (ICCV): relaciona o número de viagens concluídas sem troca de veículo e o número de ocorrências de bagagens danificadas ou extraviadas;
  •     Índice de pontualidade (IP): relaciona pontualidade na saída e na chegada dos veículos;
  •     Índice de regularidade (IR): mede a quantidade de viagens realizadas em relação às programadas;
  •     Índice de legalidade (IL): mede a nota associada à inconformidade com a legislação.

    2. Índice de desempenho global (IDG): composto por uma relação do IQT, com o índice de segurança (IS), índice de modicidade tarifária (IMT) e índice de atualidade dos veículos (IAV).

Percebe-se claramente uma mudança na qualidade e especificidade dos indicadores propostos, com uma forte mudança em direção à aferição da qualidade, percebida pelo usuário, uma vez que nos indicadores IC, ICo e IH, a qualidade percebida por eles tem grande influência. Esta mudança de postura do órgão regulador é fruto da necessidade de aferir quão satisfeitos encontram-se os usuários dos serviços, quesão fiscalizados pela ANTT, e também fruto do caráter técnico que a instituição assume após o ingresso de diversos servidores qualificados na sua área de atuação.

Nas próximas seções deste trabalho os atributos que compõem estes indicadores serão discutidos através de um grupo focal. Participaram da discussão com os atores do processo de prestação deste serviço, especialmente usuários e reguladores, a fim de verificar sua adequação às expectativas de quem utiliza o transporte, bem como a possibilidade de aferir a qualidade dos serviços com boa confiabilidade.

 

3 Metodologia

O trabalho foi realizado através de uma pesquisa qualitativa aplicada, utilizando para isso a técnica do grupo focal, que permite compreender a construção da realidade por diversos grupos (Gatti, 2005). Esta técnica identifica as diferentes opiniões expressas e vivenciadas pelos stakeholders do setor, o que gera dados capazes de motivar a harmonização das idéias e interesses em torno do objetivo da pesquisa, neste caso, a criação de indicadores de desempenho para aferir a qualidade, em seu sentido amplo, em empresas de transporte rodoviário de passageiros.

Foram convidadas a participar do grupo focal, realizado no mês de maio de 2010, pessoas ligadas à regulação e fiscalização do transporte rodoviário interestadual de passageiros, servidores da Agência Nacional de Transportes Terrestres, funcionários de empresas que atuam no setor e usuários deste transporte. Cabe a ressalva de que todos os presentes utilizam com regularidade este tipo de transporte, também apresentando a visão de usuário. Uma distinção importante entre os participantes ligados a empresas é que um deles trabalha com linhas muito longas e outro com linhas de média distância, o que permitiu identificar possíveis diferenças entre as necessidades que os usuários expressam a um e a outro. A ligação destas pessoas com o assunto é expressa na tabela abaixo em termos de experiência profissional no setor de transportes.

tabela 1 – Participantes do Grupo Focado
PARTICIPANTE EXPERIÊNCIA NO SETOR
Gerente de Vendas 13 anos
Encarregado de Guichê 24 anos
Técnico em Regulação - ANTT 10 anos
Técnico em Regulação - ANTT 7 anos
Coordenador de Fiscalização - ANTT 30 anos
Usuário ---
Usuário ---

 

Para a condução das atividades foi feita breve introdução sobre o assunto e demonstrados os objetivos deste trabalho, visando orientar o interesse e foco de pesquisa. Todos participantes mostraram-se interessados e expressaram diversas opiniões sobre o assunto. Algumas perguntas foram feitas, aproximando-se do final do debate, como: “O que vocês sentem ser a característica mais importante com relação a cada uma das categorias levantadas?”, isso contribuiu para finalizar a discussão resumindo os pontos principais. Por fim, solicitou-se que os participantes validassem os seus pontos de vista, o que gerou novas discussões até se chegar a um entendimento razoavelmente harmônico sobre o que é mais importante medir e o que os usuários melhor entendem por qualidade na prestação do serviço.

 

4 Resultados

Nesta seção será feita uma discussão a respeito dos atributos encontrados durante a realização do grupo focal. Na seqüência, na mesma seção, os atributos propostos pelo órgão regulador são comparados com os que surgiram do grupo focal, mostrando a aderência dos modelos e suas diferenças, em termos da composição qualitativa dos indicadores de desempenho e qualidade.

4.1 Interesses levantados

Visando o objetivo deste trabalho foram conduzidas discussões no âmbito do grupo focal, realizado conforme descrito no item anterior. Como resultados destas discussões, o quesito segurança foi amplamente debatido e foi o responsável pela maior parte da preocupação tanto dos reguladores quanto dos funcionários de empresas presentes.

Por parte dos usuários notou-se uma preocupação maior com conforto, cortesia e com o bom atendimento prestado pelas empresas. Acredita-se que essa diferença é devida ao fato relatado, de que os usuários tenham, talvez, inconscientemente, o hábito de deixar que os órgãos públicos se preocupem com estas questões de segurança, que estão sendo amplamente discutidas no âmbito das instituições do país, de forma que, culturalmente as pessoas acreditam estar seguras apenas em ver um veículo novo, bonito e bem pintado ou com poltronas confortáveis, associando a falta de segurança com veículos mais antigos, com design defasado e pintura desgastada, o que não pode ser assumido como uma verdade plena eis que se verifica a existência de acidentes, tanto com veículos antigos quanto com veículos novos.

Outro ponto bastante debatido e que tomou importância ao longo das discussões foi a questão da confiabilidade na informação prestada pelas empresas, ao ponto de se concluir que não importa se o veículo irá chegar uma hora antes ou uma hora depois, desde que o usuário saiba exatamente a hora em que o veículo irá chegar.

Os usuários levantaram outra questão interessante, a condição da infraestrutura disponível nas rodoviárias e pontos de parada. A maioria não dispõe de infraestrutura que permita ao usuário ter segurança e conforto enquanto aguarda a chegada ou partida de seu veículo, o que gera grande ansiedade e desconforto aos usuários. Apesar de ser um aspecto sobre o qual as empresas não tinham muita preocupação, este tipo de serviço adicional está tomando dimensão importante na relação com o cliente, basta ver a construção de salas vip em diversos terminais rodoviários que dispõe de espaço para isso.

4.2 Classificação dos dados

O grupo focal resultou em diversos aspectos importantes que devem ser observados quando da medição de desempenho e qualidade. Entretanto, estes pontos levantados podem ser divididos em categorias devido à sua influência em um aspecto maior. As categorias escolhidas para esta divisão foram: segurança, atendimento, conforto e confiabilidade.

A tabela 2 é um quadro indicativo dos atributos que compõem cada categoria:

                                                                                                      Tabela 2 – Categorização dos dados

CATEGORIA ATRIBUTOS
Segurança
  • Jornada de trabalho de motoristas;
  • Treinamento da tripulação;
  • Manutenção dos veículos;
  • Acidentes e assaltos;
  • Tecnologias embarcadas;
Conforto
  • Atualidade da frota;
  • Higiene dos veículos;
  • Características técnicas de conforto;
  • Serviços adicionais disponibilizados;
Atendimento
  • Treinamento dos funcionários;
  • Infraestrutura disponível;
  • Quebras de veículos em uso;
Confiabilidade
  • Disponibilidade de informações;
  • Pontualidade;
  • Regularidade;
  • Agilidade na resolução de problemas;

 

4.3 Indicadores

A partir da classificação dos dados obtidos junto ao grupo focal, surge a necessidade de categorizá-los, a fim de que se possa reunir atributos em categorias que deem origem aos indicadores, que por sua vez permitirão avaliar quão adequada está sendo a execução dos serviços de transporte rodoviário de passageiros. Para isso propõem-se as seguintes categorias, seguindo a classificação referida na tabela 2, já analisando o que propõe a ANTT e o que foi identificado no grupo focal:

  • SEGURANÇA: o índice de segurança proposto pela ANTT (2009) relaciona uma taxa de vítimas, uma taxa de acidentes e um índice de atendimento às normas de segurança. É importante perceber que estão fora deste indicador alguns fatores citados no grupo focal, como o controle de jornada de trabalho dos motoristas, o nível de treinamento da tripulação, o correto cumprimento do cronograma de manutenções preventivas e a existência ou não de tecnologias de segurança embarcadas. Por oportuno, no viés em que se conduziram as discussões, ficou bem explícita a concordância, de todos os presentes no grupo focal, de que o cumprimento de exigências legais deve ser encarado como nível basilar nos indicadores, o que leva a indicação de que isso não seja um atributo dos indicadores, e sim, exista a aplicação de um fator de redução no índice em caso de descumprimentos das normas vigentes. Por fim, com relação à segurança, é importante levar em consideração os fatores operacionais explicitados, fazendo com que o indicador de segurança seja composto pela taxa de acidentes mais assaltos, pela taxa de vítimas no transporte avaliado, pela média da relação de horas diárias trabalhadas pelos motoristas, com o valor ideal, divulgado por estudos técnicos na área, pela relação entre horas de treinamento e horas trabalhadas da tripulação, parametrizadas pela média de todas as empresas, e por um índice de cumprimento das manutenções preventivas previstas pelos fabricantes dos veículos. Sendo que se pode criar um multiplicador do índice conforme a existência ou não de tecnologias de prevenção de acidentes e/ou assaltos nos veículos, que não sejam obrigatórias, como GPS (Global Positioning System), ESP (Sistema de Controle de Estabilidade), câmeras etc.
  • CONFORTO: o indicador de conforto pode ser uma relação do índice de atualidade dos veículos, também proposto pela ANTT (2009), um redutor do índice baseado no número de reclamações recebidas por falta de higiene dos veículos, um multiplicador do índice conforme existam tecnologias de conforto e/ou serviços adicionais ao exigido legalmente;
  • ATENDIMENTO: o Índice de Confiabilidade na Conclusão de Viagem (ICCV), proposto pela ANTT (2009), se encaixa bem nos aspectos relevantes indicados durante o grupo focal, logo, o indicador de qualidade no atendimento pode ser uma relação daquele índice, com a relação entre horas de treinamento e horas trabalhadas, dos funcionários que atendem ao público, parametrizadas pela média de todas as empresas, onde se pode aplicar um acréscimo ou decréscimo devido à existência ou não de certa infraestrutura de conforto, como ar-condicionado, salas vip, guarda-malas gratuito, dentre outros, nos pontos de embarque/desembarque e de parada por onde o veículo deve passar. Além disso, é importante acrescer ao indicador um índice de quebra por distância percorrida, mesmo que não ocorra a troca de veículo, que já está prevista no ICCV;
  • CONFIABILIDADE: nesse aspecto é possível utilizar uma relação do índice de pontualidade, com o índice de regularidade, ambos propostos pela ANTT (2009), acrescidos de um multiplicador conforme a disponibilização de ferramentas de acesso rápido e fácil à informação, que não sejam legalmente obrigatórios, de um redutor no índice conforme o número de queixas dos usuários em relação à falta de confiabilidade nas informações prestadas e de um índice que mensure quão rápida foi a solução, disponibilizada pela empresa, para resolver problemas inesperados como a quebra de veículos, a falha em sistemas de venda de passagens, etc.

Na tabela 3 são comparadas as propostas da ANTT, divulgada através do PROPASS BRASIL, e a advinda deste trabalho. A comparação se dará pelos atributos que compõem cada indicador, visando mostrar a similaridade existente entre os modelos, bem como a sua complementaridade, o que pode contribuir para aprofundar o estudo sobre estes atributos e seus pesos nos indicadores.

Tabela 3 – Comparativo entre propostas

CATEGORIA DO INDICADOR PROPOSTA PROPASS BRASIL PROPOSTA DESTE TRABALHO
SEGURANÇA - Taxa de acidentes - Taxa de vítimas - Atendimento às normas - Taxa de acidentes mais assaltos - Taxa de vítimas - Horas de treinamento para motoristas - Cumprimento de manutenções preventivas - Tecnologias embarcadas (GPS, EBD, outras)
CONFORTO - Satisfação dos usuários - Cumprimento das normas - Idade média da frota - Queixas em relação à falta de higiene - Idade média da frota - Aplicação de tecnologias extras em serviços e conforto
ATENDIMENTO - Viagens terminadas sem transbordo - Índice de bagagens danificadas ou extraviadas - Viagens terminadas sem transbordo - Índice de bagagens danificadas ou extraviadas - Infraestrutura nos pontos de embarque e parada - Índice de quebra dos veículos em operação - Horas de treinamento dos funcionários da linha de frente
CONFIABILIDADE - Pontualidade nas saídas e chegadas - Regularidade - Pontualidade nas saídas e chegadas - Regularidade - Ferramentas de acesso à informação - Queixas sobre informações incorretas - Rapidez na solução de problemas inesperados (quebra de veículos, outros)

 

Conclusão

Este trabalho buscou identificar os atributos considerados importantes pelos agentes do setor, no que concerne ao Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros, a fim de proporcionar a criação de um sistema de indicadores de desempenho que permita qualificar e facilitar a gestão e o controle da forma em que serão prestados os serviços.

Através de um grupo focal identificou-se o que cada agente do setor considera mais importante, no momento de medir desempenho e qualidade, possibilitando a identificação de diversos fatores que podem fazer parte de sub-índices que comporão quatro indicadores globais de desempenho relacionados à segurança, conforto, atendimento e confiabilidade.

Feito isso, a comparação entre a proposta de indicadores apresentada pela ANTT e a oriunda desta pesquisa mostra certo grau de aderência entre elas, apesar de aquela ser menos abrangente que esta. Uma diferença significativa entre as propostas é a ausência, na oriunda deste trabalho, de pesquisas de satisfação do usuário, isso porque foram consideradas muito dispendiosas para serem feitas com a frequência devida. Quando se fala em nível nacional, como é a abrangência deste tipo de transporte, são mais de mil diferentes linhas interestaduais, pesquisas representativas da realidade tornam-se extremamente custosas e, caso sejam realizadas, é muito provável que o usuário pague por elas nas tarifas de transporte.

Um ponto importante é concluirmos que, para se chegar a uma proposta numérica e final de indicadores de desempenho, faz-se necessário um aprofundamento das discussões entre os diversos agentes do setor, o que não foi possível de se realizar neste trabalho devido ao seu caráter de propor o início da discussão e de indicar, primeiramente, os atributos para um sistema de indicadores adequado.

Concluindo o trabalho, pode-se perceber que contribui significativamente para dar início a uma discussão sobre os indicadores de desempenho e qualidade. Este tema já é fruto de debates no âmbito dos órgãos reguladores, mas é de fundamental importância que venha a contar com a massiva participação do meio técnico-acadêmico e da população que utiliza estes serviços, a fim de solidificar o entendimento sobre a necessidade de que serviços públicos concedidos possam ser fiscalizados através de critérios técnicos, de fácil entendimento e com a clareza possibilitada pelos indicadores numéricos de qualidade e desempenho.

 

Referências

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GATTI, Bernardete A. (2005). Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Líber Livro. 2005.

A Revista

A Revista ANTT é uma publicação eletrônica técnico-científica de periodicidade semestral, criada com a finalidade de divulgar o conhecimento na área de Transportes Terrestres para o público em geral, provocando o intercâmbio de informações. O público-alvo é composto por servidores, colaboradores, meio acadêmico, setor regulado, outros órgãos públicos e profissionais da área.

Entrevistados

  • Edição da Revista:
    Volume 3 Número 2
    Novembro de 2011
  • Josias Sampaio Cavalcante Júnior
    Diretor-Presidente da VALEC
    Edição da Revista:
    Volume 5 Número 1
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    Edição da Revista:
    Volume 4 Número 1
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  • Luiz Pinguelli Rosa
    Presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas
    Edição da Revista:
    Volume 4 Número 2
    Novembro de 2012
  • Luís Henrique Baldez
    Presidente Executivo da ANUT
    Edição da Revista:
    Volume 3 Número 2
    Novembro de 2011
  • Marcelo Perrupato
    Secretário Nacional de Políticas de Transportes
    Edição da Revista:
    Volume 3 Número 1
    Maio de 2011
  • Paulo Sérgio Oliveira Passos
    Ministro dos Transportes
    Edição da Revista:
    Volume 2 Número 2
    Novembro de 2010
  • José Roberto Correia Serra
    Diretor presidente da CODESP
    Edição da Revista:
    Volume 2 Número 1
    Maio de 2010
  • Bernardo José Figueiredo Gonçalves de Oliveira
    Diretor Geral da Agência Nacional de Transportes Terrestes - ANTT
    Edição da Revista:
    Volume 1 Número 1
    Novembro de 2009
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