Seu Browser esta com problemas de leitura de javascript!

Volume 4 Número 2 - Novembro de 2012
ISSN: 2177-6571

Entrevista

Voltar para: /Volume 4 Número 2
Entrevista
Luiz Pinguelli Rosa
Presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas

O professor Luiz Pinguelli Rosa é Ex-Presidente da Eletrobrás e, atualmente, é  Professor da COPPE/UFRJ, além de Secretário Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Ele comenta o compromisso brasileiro de redução de emissões e o andamento dos planos setoriais de mudança climática atualmente em elaboração pelo governo federal.

 

1) Como surgiu a ideia inovadora de se usar a infraestrutura de comunicação necessária à exploração do serviço ferroviário para outras finalidades e auferir renda ao ente público?
LP

Houve alguns fatores que contribuíram para o desenvolvimento desta ideia. Por um lado, o processo de liberalização do setor das telecomunicações em Portugal, que se verificou durante os anos 90 do século passado, levou à tomada de consciência por parte de quem possuía ativos de telecomunicações que estes poderiam ser rentabilizados num mercado aberto e concorrencial; por outro, o próprio processo de modernização das infraestruturas ferroviárias, com início praticamente na mesma altura, e que teve na vertente da especialidade de telecomunicações ferroviárias uma decisão estratégica de base que veio a revelar-se fundamental, a adoção da infraestrutura de suportes físicos de transmissão baseada em cabos de Fibra Ótica, em resultado das melhores características de transmissão que estes cabos apresentavam para funcionar em ambiente ferroviário.

Os cabos de Fibra Ótica possuíam diversas vantagens quando comparados com as soluções tradicionais baseadas em cabos metálicos, nomeadamente: mais baratos, permitem o desenvolvimento de redes de comunicações menos onerosas e de maior débito, são imunes a ambientes poluídos electromagneticamente e como não são metálicos não são apetecíveis para roubo. Esta infraestrutura de cabos foi generalizada a todos os projetos de modernização de linhas férreas, tendo resultado na criação de uma rede de âmbito nacional, com uma capacidade instalada (números de fibras) que ultrapassava as necessidades básicas da ferrovia.

Paralelamente, no contexto do processo de liberalização do setor das telecomunicações em curso por toda a Europa e conduzido sob as diretivas da Comunidade Europeia, surgiram em diversos países exemplos de Utilities (energia, gás, águas, transportes, etc.) para ensaiar modelos de rentabilização das suas infraestruturas de telecomunicações, cenários que estimularam o mesmo tipo de abordagens em Portugal, sendo o exemplo ferroviário português, a REFER TELECOM, um dos mais bem-sucedidos não só em nível nacional, como em nível europeu, onde é considerado um case study por outras redes ferroviárias congêneres. A REFER TELECOM acabou por ser pioneira no mercado português na oferta de fibra ótica escura, posicionando-se como “carrier de carrier” para o mercado de operadores de telecomunicações, incluindo o próprio operador incumbente.

Nos projetos de modernização ferroviários a construção de infraestrutura de comunicações tem um peso bastante reduzido, pelo que por um custo marginal é possível disponibilizar infraestruturas de comunicações que possam ser utilizados para outros fins distintos do da ferrovia, como é o caso da construção de caminhos de cabos que podem ser rentabilizados em direitos de passagem.

2) Qual a origem da ideia de se criar uma nova empresa de capital público para oferecer serviços de telecomunicações em vez de se contratar uma ou prover o serviço por si só?
LP

Os serviços de telecomunicações de suporte à Exploração Ferroviária eram já garantidos pelos meios próprios da REFER no âmbito do seu Departamento de Telecomunicações. O modelo inicialmente pensado para a oferta de serviços ao exterior era o de criar uma Unidade de Negócios para as telecomunicações dentro da REFER, modelo adotado e em vigor em algumas redes ferroviárias europeias. Contudo, no caso da REFER, o desenvolvimento da atividade comercial de telecomunicações estava vedado por imposições estatutárias relativas ao objeto comercial da própria REFER. Assim, a única forma de operacionalizar a oferta de serviços de telecomunicações ao exterior era o de criar uma empresa subsidiária, detida a 100% pela REFER, que fosse responsável por garantir os serviços de telecomunicações necessários ao suporte do core business do acionista, a Exploração Ferroviária, rentabilizando simultaneamente no mercado as infraestruturas de telecomunicações excedentárias.

3) Em que medida a internalização dessas tecnologias de informação por uma empresa do grupo incrementou a qualidade do serviço ferroviário prestado?
LP

O suporte operacional de sistemas críticos associados à Exploração Ferroviária realizados por meios internos da área ferroviária traz como benefício um maior conhecimento de todos os detalhes relacionados com a exploração e a operação, bem como uma maior eficácia na resposta a incidentes e falhas, resultante do completo controle dos meios de intervenção, situação mais difícil de obter na situação de prestação de serviço totalmente externalizada por mais exigentes que sejam os contratos estabelecidos.

4) E que frutos, além da renda, a REFER TELECOM colheu com este modelo de negócio?
LP

Os principais ganhos traduzem-se no nível do desempenho em diferentes vertentes da operação da empresa. Com a criação da RT, transitaram para a empresa todas as atividades de telecomunicações existentes na "casa mãe", incluindo os recursos humanos que estavam dispersos por diversos departamentos, o que se traduziu desde logo para o acionista numa melhor gestão de recursos e meios, através da identificação de sinergias e consequente racionalização de custos. Também em nível operacional, a subcontratação da prestação de serviços em regime de outsourcing permitiu otimizar custos. No que se refere aos recursos humanos, o desenvolvimento de uma cultura de prestação de serviço centrada no cliente e na obrigação de cumprir níveis de serviço contratados traduziu-se num melhor desempenho e maior enfoque na qualidade da prestação de serviço, tendo em consequência o acionista REFER beneficiado também com isso. A experiência adquirida no mercado concorrencial de telecomunicações obrigou a REFER TELECOM a adotar as melhores práticas na prestação de serviço, nomeadamente com a definição e cumprimento rigoroso de níveis de serviço (SLA), as quais foram também aplicadas em relação à REFER.

5) Quais benefícios são percebidos pelo usuário do transporte ferroviário e pela sociedade portuguesa como um todo?
LP

Os benefícios são percebidos de forma indireta, por um lado, no caso do transporte ferroviário, os ganhos resultam da maior fiabilidade e resiliência das infraestruturas de telecomunicações, bem como da maior eficácia do suporte técnico interno, convergindo ambos para conferir ao modo de transporte ferroviário uma maior disponibilidade e fiabilidade do serviço, que constituem os principais indicadores de qualidade percebidos pelo usuário de transporte; Por outro, numa vertente mais alargada de interesse para a sociedade, o retorno gerado a partir de investimentos públicos confere aos projetos uma maior sustentabilidade econômica e um custo menor para o contribuinte. A par disso, as infraestruturas de telecomunicações ferroviárias proporcionam o desenvolvimento da sociedade digital, não apenas por, no caso particular da ferrovia portuguesa com uma grande malha de cobertura nacional, porém atingindo mais facilmente populações remotas, por serem geradoras de concorrência entre os diferentes operadores comerciais do setor.

Acresce, ainda, que a utilização de infraestruturas de telecomunicações de cariz público, podem ser fator do desenvolvimento social do país, suportando serviços de interesse público de cariz crítico, tais como: Defesa, Segurança Pública, Proteção Civil, Educação, Saúde, Justiça, Administração pública, etc., por oposição às redes e serviços de operadores comerciais oferecidos numa lógica de mercado concorrencial. Por exemplo, a rede científica de comunicações que interliga as diversas Universidades Portuguesas, Forças Armadas, Administração Interna, etc. suportam-se nas redes da REFER TELECOM.

6) Vocês acreditam que um modelo semelhante possa ser desenvolvido utilizando a infraestrutura de comunicações das rodovias e ferrovias brasileiras?
LP

Acreditamos que sim e com grande potencial de sucesso, pois num país com a dimensão e características geográficas do Brasil, onde as vias de comunicação desempenham o papel natural de coesão territorial, a utilização das infraestruturas de telecomunicações existentes nessas vias representa um valor acrescido para o desenvolvimento da sociedade. As infraestruturas de telecomunicações existentes ou a construir nas rodovias e ferrovias brasileiras poderão vir a constituir um verdadeiro “backbone nacional” para interligação de redes de âmbito estadual. Sendo o Brasil a 6ª economia mundial com um programa de desenvolvimento bem definido, é ainda mais premente que a utilização destas infraestruturas seja rapidamente canalizada para a concretização dos objetivos de crescimento econômico do país e desenvolvimento da população (educação, saúde, justiça, etc.).

7) O sistema de sinalização ERTMS e o padrão de comunicação móvel GSM-R são aplicáveis ao TAV-Brasil (Trem de Alta Velocidade em licitação no Brasil)?
LP

Sem dúvida que sim e com diversos benefícios. O ERTMS (ETCS+GSM-R) constitui um standard que, embora desenvolvido num contexto Europeu, tem já uma adoção mundial expressiva, sobre o qual existe já uma vasta experiência técnica e de exploração ferroviária. Sendo a solução tecnológica que equipa a generalidade das Linhas de Alta Velocidade europeias, é uma garantia de sucesso para o TAV que pode beneficiar de uma solução testada, com um leque alargado de fornecedores e que do ponto de vista de investimento permite estabelecer patamares de referência em termos de comparação de propostas.

8) Seria uma alternativa viável para as ferrovias brasileiras que necessitam de interoperabilidade?
LP

Também neste caso o modelo de interoperabilidade europeu pode servir de exemplo ao desenvolvimento de um modelo de interoperabilidade na rede ferroviária brasileira. Veja-se o exemplo dos corredores de mercadorias e de Linhas de Alta Velocidade interoperáveis, onde a definição de corredores específicos dotados de tecnologia standard, financiada pela Comunidade Europeia, permitem ultrapassar a limitações fronteiriças impostas pela existência de sistemas nacionais distintos um dos outros. No caso do Brasil, a existência de sistemas de Comando e Controle da Circulação heterogêneos em operação nas diversas malhas ferroviárias concessionadas configura um cenário semelhante ao europeu, com diferentes sistemas em serviço nos diversos países. Assim, a abordagem poderia também passar, numa primeira fase, pela criação de corredores interoperáveis, financiados pelo estado, baseados em tecnologias standard (ERTMS), que atuariam como vias de interligação entre as malhas ferroviárias existentes. Neste cenário o material rolante teria de estar equipado com o sistema interoperável e com o sistema nativo da sua rede de origem. Numa segunda fase e tendo em vista a criação de um mercado de transporte ferroviário concorrencial onde os operadores de mercadorias, logística e de passageiros possam usufruir de condições de livre acesso à infraestrutura ferroviária em condições de equidade e transparência as diversas concessionárias das malhas ferroviárias teriam que fazer evoluir os seus sistemas de Comando e Controle da Circulação para soluções também interoperáveis.

A normalização e uniformização na adoção deste tipo de tecnologia cria um ambiente win-win, quer do ponto de vista da gestão da infraestrutura, quer do ponto de vista da operação comercial. Pois permite economias de custos em nível do equipamento embarcado no material rolante, na aquisição do equipamento visando instalar na via e Centros de Comando, contratação de serviços de manutenção, bem como a criação de um mercado mais dinâmico de recursos humanos habilitados a trabalhar nas diferentes entidades ferroviárias.

 

 

Mário David Esteves Alves é Diretor na Direção de Coordenação de Sistemas Ferroviários na REFER Telecom. mdalves@refertelecom.pt

Revista ANTT - Como o Senhor avalia o compromisso brasileiro de redução de emissões de gases de efeito estufa assumido pelo Brasil até 2020 (entre 36,1 e 38,9%)?
LP

Foi uma boa iniciativa, uma mudança de posição que o Brasil tinha, porque a princípio, não era obrigado a fazer tal redução. O Brasil, na Convenção do Clima originada da Conferência Rio 92, assim como todos os países em desenvolvimento, incluindo a China, não assumiu compromisso de redução de emissões, que ficou restrito aos países ricos, desenvolvidos, e aos países ex-socialistas, que tinham também um consumo de energia per capita muito elevado, e, portanto, este compromisso foi voluntário, representando uma sinalização que influiu depois da posição brasileira ser anunciada. A partir de então outros países também anunciaram certos objetivos de redução. Acho que o Brasil, neste sentido, deu um exemplo, sendo que o principal componente das emissões brasileiras vem do desmatamento, gradualmente reduzido ao longo dos últimos anos, o que é um sinal positivo.

Revista ANTT - No panorama atual das emissões, qual seria a contribuição do setor de Transportes?
LP

No Brasil, o setor de Transportes tem uma vantagem e uma distorção. Inicialmente, a vantagem é o uso do bicombustível, principalmente o etanol dos automóveis, seguido do biodiesel em adição ao óleo diesel usado, em geral, no transporte mais pesado. E a desvantagem, ou uma distorção, em primeiro lugar, vem, particularmente, do transporte de cargas excessivamente rodoviário. É um percentual altíssimo das cargas que usa a rodovia, acarretando uma emissão muito grande baseada no consumo de diesel, que poderia ser muito mais econômico se não fosse rodoviário, ainda mais com estradas que não são tão bem conservadas em vários lugares. Em segundo lugar, existe uma deficiência de transporte coletivo urbano, principalmente para atrair a classe média possuidora de automóvel, que tem crescido, ao invés de usar o transporte público. Há muito pouco transporte metroviário, quase nada, pode-se dizer, ainda, que restrito a São Paulo, sendo muito menor do que deveria. São estes os dois lados da moeda.

Revista ANTT - A Lei nº 12.187 de 29 de dezembro de 2009, regulamentada pelo Decreto no 7.390 de 9 de dezembro de 2010, estabelece a necessidade de elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas. Como está o andamento dos planos?
LP

Estes planos estão bem encaminhados, no sentido de elaboração, incluindo o de Transportes, que é focado no transporte de cargas, e o de Mobilidade Urbana, que é focado no transporte de passageiros. Naturalmente, a grande parcela da redução das emissões com a qual o Brasil se comprometeu decorrerá da redução do desmatamento e muito pouco dos outros setores, mas de qualquer modo, os planos existem, inclusive hoje [21 de agosto de 2012] está sendo anunciado um compromisso entre o governo e a indústria, no que toca principalmente esta última. Não se pode dizer que eles serão executados exatamente como estão sendo planejados, mas está havendo um trabalho bom neste sentido.

Revista ANTT - Tendo sido recentemente finalizada a fase de consulta pública dos Planos Setoriais, quais têm sido as contribuições da sociedade para o Plano Setorial de Transportes e Mobilidade Urbana?
LP

Tem havido diversas contribuições, não só nas reuniões presenciais que foram feitas em várias regiões do país, e também em alguns setores, mas principalmente pela via eletrônica, via internet, que esteve aberta por muito tempo. E as contribuições são variadas, é difícil até tipificá-las. Todas elas são valiosas sob a perspectiva do princípio democrático participativo. Vamos ver agora como é que o governo incorpora estas sugestões na segunda fase.

Revista ANTT - O Senhor vê possibilidade para que os Planos, principalmente o de Transportes, contribuam para a sociedade brasileira para além da redução das emissões?
LP

Sim, ele tem que ser articulado, o objetivo principal do Plano de Transportes não é a redução de emissões, e sim fazer o transporte, dar melhores condições às pessoas de mobilidade e de a carga ser distribuída para onde se deseja, por razões econômicas. Inclusive, o governo agora anunciou um plano de financiamento do BNDES de até 80% para grupos privados fazerem a construção de ferrovias e alguns trechos de rodovia. O transporte tem objetivos mais amplos. Enfim, acho que isso é interessante.

A Revista

A Revista ANTT é uma publicação eletrônica técnico-científica de periodicidade semestral, criada com a finalidade de divulgar o conhecimento na área de Transportes Terrestres para o público em geral, provocando o intercâmbio de informações. O público-alvo é composto por servidores, colaboradores, meio acadêmico, setor regulado, outros órgãos públicos e profissionais da área.

Entrevistados

  • Edição da Revista:
    Volume 3 Número 2
    Novembro de 2011
  • Josias Sampaio Cavalcante Júnior
    Diretor-Presidente da VALEC
    Edição da Revista:
    Volume 5 Número 1
    Julho de 2013
  • Mário David Esteves Alves
    REFER TELECOM
    Edição da Revista:
    Volume 4 Número 1
    Maio de 2012
  • Luiz Pinguelli Rosa
    Presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas
    Edição da Revista:
    Volume 4 Número 2
    Novembro de 2012
  • Luís Henrique Baldez
    Presidente Executivo da ANUT
    Edição da Revista:
    Volume 3 Número 2
    Novembro de 2011
  • Marcelo Perrupato
    Secretário Nacional de Políticas de Transportes
    Edição da Revista:
    Volume 3 Número 1
    Maio de 2011
  • Paulo Sérgio Oliveira Passos
    Ministro dos Transportes
    Edição da Revista:
    Volume 2 Número 2
    Novembro de 2010
  • José Roberto Correia Serra
    Diretor presidente da CODESP
    Edição da Revista:
    Volume 2 Número 1
    Maio de 2010
  • Bernardo José Figueiredo Gonçalves de Oliveira
    Diretor Geral da Agência Nacional de Transportes Terrestes - ANTT
    Edição da Revista:
    Volume 1 Número 1
    Novembro de 2009
Copyright © 2012
ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres - Revista ANTT
ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres

TOPO