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Volume 5 Número 1 - Julho de 2013
ISSN: 2177-6571

Liberdades da terra: uma proposta técnico-operacional para o transporte rodoviário internacional de cargas

Freedoms of the land: a technical and commercial proposal for International Road Freight Transportation
15/07/2013

 

Cynthia Bertholini Santos

Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)

Carlos Henrique Rocha

Universidade de Brasília (UnB)

Resumo

O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de caracterização das liberdades em transporte – entendidas como direitos de acesso no transporte de mercadorias –, específicas para o transporte rodoviário internacional de cargas – TRIC.  Após uma breve revisão teórica sobre alguns conceitos da economia internacional e do direito internacional público, propõe-se, tendo como referência as liberdades do ar, uma sistematização dos direitos de acesso pertinentes ao TRIC, com aplicação no Mercosul, e suas variações quanto à forma e à operação, divididas em três grupos: (i) liberdades fundamentais, (ii) liberdades comerciais, e (iii) liberdades operacionais.

 

Palavras-chave: Transporte Rodoviário Internacional de Cargas; Liberdades do Ar; Liberdades da Terra; Mercosul.

Abstract

The aim of this paper is to present a proposal to characterize transportation freedoms - rights of access to transport goods - specific to international road freight transportation (IRFT). After a brief review of some theoretical concepts upon international economics and international public law, it is proposed, based on the concepts of the Freedoms of the Air, an access rights systematization applied to IRFT, in Mercosur, considering the technical and operational specificities of this transport mode and its variations, divided into three groups: (i) fundamental freedoms, (ii) commercial freedoms, and (iii) operational freedoms.

 

Keywords: International Road Freight Transportation; Freedoms of the Air; Freedoms of the Land; Mercosur.

1 Introdução

A partir da segunda metade do século XX o transporte rodoviário internacional de cargas (TRIC) tornou-se estratégico para o incremento das transações mercantis entre os países-membros de blocos econômicos, em particular entre os países do Mercosul.

Apr das medidas adotadas, ao longo desses anos, de eliminação de barreiras com vistas à facilitação na movimentação de bens entre as nações, ainda existem restrições de ordem técnica, procedimental e operacional relativas ao transporte de cargas que emperram a sua progressão.

Uma dessas restrições diz respeito à falta de harmonização das regras comerciais de operação no TRIC, ou, direitos de acesso, diverso do que ocorre no setor de transporte aéreo desde 1944, quando foram definidas, na Convenção de Chicago, as liberdades técnicas e mercantis para a aviação civil.

No transporte aéreo, os direitos de acesso são chamados de liberdades do ar; são direitos concedidos a uma empresa aérea para transportar passageiros, carga ou mala postal, juntos ou separadamente, numa mesma aeronave, contra remuneração ou gratuitamente (ICAO, 2005).

A inexistência de regra específica aplicada ao TRIC tem levado à associação direta de seus parâmetros de liberdades as liberdades fundamentais e comerciais do ar. Tendo em vista as especificidades técnicas, operacionais e institucionais características dos dois modos, assim como o cenário geográfico distinto, entende-se que essa livre associação pode gerar prejuízo regulatório para o setor e impedimento de comércio (Santos, Prado e Maia, 2010).

Considerada a necessidade de concepção de um instrumento próprio, calcado no modus operandi do TRIC, que formalize os acordos técnicos e comerciais mantidos nas relações bilaterais, tripartites e multilaterais, este artigo apresenta uma sistematização das liberdades da terra, concebidas no âmbito do Mercosul (ou Cone Sul), mas que são também aplicáveis aos demais blocos econômicos existentes.

Para tanto, além desta introdução, este artigo está divido em mais quatro seções. A seção 2 apresenta conceitos teóricos básicos de comércio internacional e de direito internacional público que fundamentam a atividade do TRIC. A seção 3 versa sobre o TRIC no Mercosul, os acordos existentes que baseiam a atividade operacional. A seção 4 propõe as liberdades da terra, com seus graus e variações. Por último, a seção 5 faz algumas considerações finais.

2 Fundamentação teórica

Definido como a troca de mercadorias e serviços por meio de fronteiras internacionais, respeitada a soberania dos estados, o comércio internacional compõe, junto com o sistema financeiro internacional, as principais áreas de estudo da economia internacional (Kenen, 1998).

O estudo da teoria do comércio internacional demonstra que sua expansão deveu-se principalmente à queda de barreiras alfandegárias e não-alfandegárias nas relações entre os países, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Nesse mesmo período, intensificaram-se os acordos de integração regional, estimulados pela concorrência internacional. (Krugmann e Obstfeld, 2010; Kenen, 1998).

Além da função de inserir os países no mercado mundial, a integração econômica objetiva colocá-los numa situação mais propícia à competição, com maior capacidade externa de negociação, seja com outros blocos econômicos ou outras nações. Existem mais vantagens para os que atuam em conjunto do que para os que se isolam (Baumann, 2005; Gomes, 2003).

As etapas dos processos de integração econômica podem ser classificadas, conforme as teorias do comércio internacional, segundo a Tabela 1, a seguir.

Diversos autores defendem o comércio internacional livre (um dos estágios mais avançados das etapas de integração) como forma de progresso econômico e social. Mankiw (2008), por exemplo, sustenta que o livre comércio gera ganhadores e perdedores, mas que esta prática resulta em que os países acabam sempre por ganhar em prosperidade. Magnoli (1997) acredita que a eliminação de barreiras alfandegárias – inerente às zonas de livre comércio – gera novos fluxos de comércio por meio do estímulo à importação de bens a custos menores. Gomes (2003) complementa que à medida que o processo de integração dos países se intensifica, mais igualitárias quedam as nações no partilhamento das políticas sociais.

Por outro lado, os argumentos contra o livre comércio se apóiam no fato de que os mercados não são perfeitos. Economicamente este conceito é conhecido como a teoria do segundo melhor ou second best. Ou seja, a intervenção governamental entra como a segunda melhor opção para o melhor funcionamento do mercado, reequilibrando-o e garantindo o bem-estar da nação. Esta intervenção nas relações econômicas externas é combatida porque normalmente são usadas para corrigir as imperfeições econômicas domésticas, quando estas deveriam ser tratadas internamente (Krugmann e Obstfeld, 2010).

A forma mais antiga e simples de intervenção na política comercial é a tarifa; correspondente a um custo de transporte (frete, seguro e mark-up) para quem remete a mercadoria, a tarifa aumenta o custo de envio de bens de um país a outro. Além disso, é utilizada para proteger a produção das indústrias nacionais concorrentes de produtos importados (Krugmann e Obstfeld, 2010; Kenen, 1998).

Outro tipo de barreira comumente utilizada pelos governos é a não-tarifária, como cotas de importação e restrições à exportação ou ainda as barreiras burocráticas como controles procedimentais excessivos com fins de obstaculizar o comércio (Krugmann e Obstfeld, 2010).

Para Mankiw (2008), os economistas sabem que o livre comércio, apesar de eliminar distorções de consumo e de produção, não é uma política perfeita, mas apostam que é melhor do que qualquer outra que possa ser utilizada pelos governos.

Ressalte-se que as barreiras alfandegárias e não-alfandegárias também têm relação direta com os graus de liberdade praticados no mercado de serviços de transporte terrestre, pois quanto maior o grau de liberdade de acesso no transporte de bens entre os Estados, maior a flexibilização das fronteiras internacionais com facilitação de trânsito livre de mercadoria e serviços, e vice-versa (Santos, 2011).

Pode-se dizer que as liberdades praticadas no TRIC são variadas e que essa variação reflete no nível de integração e abertura nas relações comerciais entre as nações. Da mesma forma, no TRIC, as liberdades adotadas podem revelar o nível de maturidade e desenvolvimento dos mercados (Santos, Prado e Maia, 2010).

Destaque-se que a favor dos interesses dos países que negociam internacionalmente, em bloco ou não, está o Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio – Gatt (General Agreement on Tariffs and Trade), assinado em  1947, um tipo de código de conduta que busca harmonizar as diferentes conveniências das partes negociadoras por meio da regulação das restrições comerciais de forma a estimular práticas não-discriminatórias e intensificar as trocas comerciais internacionais. As regras de comércio internacional são estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio – OMC (Kenen, 1998).

Ao mesmo tempo, são os acordos e tratados firmados entre os países que definem os limites de acesso, ou seja, os graus de liberdade existentes no TRIC. Normalmente incitados pelas relações comerciais, esses arranjos obedecem às normas jurídicas amparadas pela comunidade internacional. Esse conjunto de normas que regulam as relações entre os Estados compreendem o Direito Internacional (Soares, 2004; Kelsen, 1999).

De acordo com Soares (2004, p. 12), a necessidade de cooperação entre as nações, com o estabelecimento de relações de reciprocidade, trouxe ao Direito Internacional o caráter de “sistema normativo de um dever jurídico de cooperação entre entidades autônomas”. Com isso, o século XX, principalmente depois das duas Grandes Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945), pautou-se por uma organização mundial regulamentada pela paz e pela diplomacia multilateral. Foi quando se proliferaram organizações intergovernamentais especializadas e também regionais de integração econômica como o Mercosul, o Nafta, a União Europeia, entre outros.

Em resumo, pode-se afirmar que o TRIC ocorre por demandas econômicas, mas é viável a partir dos atos firmados internacionalmente, pois é o Direito Internacional que confere legalidade jurídica às relações mercantis internacionais, inclusive, ao transporte, meio pelo qual circula todo o sistema produtivo.

3 O TRIC NO MERCOSUL

Assim como em outros continentes, o TRIC exerce papel fundamental na integração econômica, social, política e cultural entre os países da América do Sul, com função de destaque para o fluxo de mercadorias e processo integracionista do Mercosul (Santos, 2011).

Ressalte-se que, especificamente para este artigo, será considerado o Mercosul ampliado que inclui: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai como sócios plenos e Bolívia, Chile, Peru e Venezuela como estados associados, embora a  Venezuela já tenha consolidado sua adesão como membro pleno em 2012, após a suspensão do Paraguai no Bloco ocorrida no mesmo ano. E, apesar de Colômbia e Equador serem países associados ao Mercosul, estes não fazem parte dos acordos de transporte.

O funcionamento do TRIC, no Mercosul, se dá por meio de acordos internacionais de transporte e trânsito. No caso do Brasil, sua posição geográfica e dimensão territorial fazem com que sejam mantidos acordos de transporte efetivamente em vigência com sete dos demais doze países sul-americanos. Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai são signatários do Acordo Parcial Sobre Transporte Internacional Terrestre – ATIT, firmado em 1990, que rege o transporte terrestre de carga no âmbito do Cone Sul. Brasil e Venezuela assinam acordo em separado (Decreto nº 2.975/99), aos moldes do ATIT.

Além disso, existe acordo de transporte entre Brasil e Guiana, pendente de entrar em vigor devido a ajustes com a Receita Federal do Brasil e está em processo de negociação acordo de transporte com a Guiana Francesa. Argentina, Brasil e Uruguai firmaram também o Acordo Tripartite nº1, em 1998, que possibilita a qualquer um dos signatários realizar transporte entre os outros dois desde que essa operação sempre inclua o trânsito pelo território do país transportador (Santos, 2006).

Outro acordo firmado, mais recentemente (setembro de 2005), foi o da participação da Argentina no tráfego Brasil/Chile –, com um número fixo de sete empresas e limitado a cerca de 200 unidades de carga (semirreboques e/ou reboques) –, baseado no artigo 29 do ATIT que prevê a “justa compensação pelo uso da infraestrutura”, neste caso o território de trânsito argentino (Brasil, 2012). 

Todos esses acordos são regulamentados por resoluções, instruções normativas, atas de reuniões do Mercosul ou bilaterais, entre outros, e objetivam a promoção do transporte de maercadorias, com segurança e trâmites fronteiriços simplificados (Santos, 2006 e 2011).

Pode-se afirmar que o TRIC evoluiu a partir da conformação do bloco sul-americano e com a implantação desses acordos por meio da harmonização de regras e redução de entraves à atividade de transporte (Santos e Prado, 2009).

Para operar no TRIC, no Cone Sul, os países signatários desses acordos obedecem à regulação específica. Como em outros mercados, apenas empresas e veículos habilitados pelos organismos nacionais competentes podem realizar o transporte rodoviário de cargas entre os países sul-americanos. No Brasil, o organismo nacional competente que negocia e aplica os acordos internacionais é a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), e o exercício da atividade é regulamentado pela Resolução ANTT nº 1.474/2006 (Brasil, 2012).

Após dezessete anos de existência do Mercosul, foram registrados diversos avanços no setor de transportes, com alguma flexibilização nos acessos aos mercados no Bloco, impulsionados, principalmente pelo aumento das trocas comerciais que obrigaram os países sul-americanos a ajustarem pouco a pouco suas normas de maneira harmônica.

Observa-se que o estabelecimento de normas comuns entre países tão díspares, com severas assimetrias sociais, econômicas, com um histórico recente de longos períodos políticos de regimes ditatoriais, é bastante lento, levando os países, muitas vezes, a acertos negociados bilateralmente (Santos, 2011).

Lembre-se que, embora instituído em 1991, pelo Tratado de Assunção, o Mercosul assumiu personalidade jurídica e formalizou a sua estrutura em dezembro de 1994, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto. E, apesar de ter sido concebido para atingir a fase de mercado comum num processo gradativo, ainda busca consolidar-se na fase de união aduaneira, o que reflete na dinamicidade do TRIC. O objetivo, entretanto, é não gerar mais entraves que comprometam a eficiência e a produtividade do setor (Santos, 2011).

4 LIBERDADES DA TERRA – PROPOSTA DE SISTEMATIZAÇÃO DE REGRAS DE ACESSO AOS MERCADOS para o TRIC

A proposta de caracterizar as liberdades da terra baseia-se no fato de que deve ser concebido modelo próprio de normatização das regras de acesso para o transporte rodoviário de cargas que leve em conta as características deste modo de transporte, no lugar de associá-las àquelas praticadas no transporte aéreo.

Nesse sentido, o Mercosul foi escolhido como ambiente de análise das relações comerciais existentes e possíveis de existir no que diz respeito ao transporte rodoviário de cargas. Nada impede, no entanto, a aplicação da proposta a ser apresentada em outros blocos.

Teve-se em conta que, assim como para o transporte aéreo, o transporte rodoviário é marcado pela divisão soberana dos Estados participantes e das relações comerciais negociadas entre esses conforme os acordos de trânsito e transporte firmados entre os países (Santos, 2011).

Para a formulação dos graus de liberdades no TRIC, foram feitas comparações diretas às liberdades do ar, que geraram adaptações a estas últimas e criação de tipos de acesso pertinentes ao transporte rodoviário.

Vale lembrar que as liberdades do ar são um mecanismo de flexibilização identificado por uma ordem numérica que varia de 1 a 9 correspondentes aos graus de liberalização aplicados nos serviços de transporte aéreo entre dois ou mais países (Figura 1). Essas liberdades dividem-se em fundamentais, essenciais ou técnicas (sem caráter comercial) e mercantis ou comerciais (com caráter comercial) (Aladi, 2007).

A análise das liberdades do ar permitiu o delineamento das principais diferenças entre os modos aéreo e rodoviário, consideradas suas especificidades, conforme demonstrado na Tabela 2, que serviram para a formulação da proposta das liberdades da terra.

 

 

Pode-se dizer que as características geográficas são preponderantes para a pactuação de acordos de transporte de abrangência mundial. O TRIC, apesar de não compreender fronteiras terrestres globais, caracteriza-se como modal de maior alcance devido à sua flexibilidade na distribuição da mercadoria, desde a origem até o destino, capaz de realizar o transporte “porta a porta”.

Nesse sentido, a disponibilidade dos veículos e sua partição são determinantes para o fluxo comercial e totalmente diferenciado da aviação civil, que conta com equipamentos monovolumes, de posse ou propriedade das empresas aéreas, podendo ainda ser cedidos em subcontratação a uma operadora estrangeira (Santos, Prado e Maia, 2010).

No TRIC, conforme Tabela 2, observa-se que o material rodante (caminhões) pode ser classificado como caminhão simples (cabine e carroceria compõem um só bloco), cavalo trator (unidade de tração) e implementos (unidades de carga: reboque e semirreboque). Estas divisões permitem que, no TRIC, seja possível na subcontratação combinar partes dos conjuntos rodantes. Ou seja, a subcontratação no TRIC permite intercambiar as unidades formando, inclusive, um conjunto rodante multinacional, conhecidos como intercâmbio de tração e cruzamento de bandeira, respectivamente (Santos, 2011).

Ressalte-se que, no caso do Mercosul, os acordos sobre subcontratação com intercâmbio de tração e cruzamento de bandeira são firmados bilateralmente, não sendo, obrigatoriamente, adotados por todos os países membros.

Baseados nos aspectos diferenciais e convergentes entre os dois modos de transporte de carga (aéreo e rodoviário), apresenta-se a proposta de liberdades da terra na Tabela 3, comentada na sequência.

Em resumo, as liberdades propostas são divididas em três grupos, conforme o acesso e a forma de realizar o transporte. As liberdades da terra classificadas como fundamentais e comerciais são referentes ao acesso aos mercados. As demais liberdades chamadas de operacionais dizem respeito à forma de acessar os mercados. Tratam-se, portanto, de liberdades complementares ou ainda combinadas às liberdades mercantis.

 

As liberdades fundamentais estão divididas em dois tipos: (1ª) trânsito natural e (2ª) trânsito condicional, indicam a obrigatoriedade e a possibilidade de passagem por terceiro país, respectivamente. As liberdades comerciais agregam sete graus: (3ª) tráfego bilateral, (4ª) tráfego participado, (5ª) tráfego tripartite compreensivo, (6ª) tráfego tripartite extensivo, (7ª) tráfego tripartite além ou puro, (8ª) cabotagem consecutiva e (9ª) cabotagem pura. Além dessas, encontram-se as liberdades operacionais, combinadas às demais de quatro modos: (OC 1) subcontratação com mesma bandeira, (OC 2) subcontratação com outra bandeira, (OC 3) intercâmbio de tração com mesma bandeira e (OC 4) intercâmbio de tração com outra bandeira.

 

 

Em comparação ao transporte aéreo, o trânsito por terceiro país, identificado nas liberdades aéreas 1ª e 2ª, onde não ocorre relação comercial, diferencia-se no TRIC, pois no transporte terrestre alguns caminhos são obrigatórios (como, por exemplo, passar pela Argentina para ir ao Chile) e as paradas técnicas são recorrentes, dada a baixa autonomia dos veículos rodoviários (Santos, Prado e Maia, 2010).

Em relação às liberdades comerciais aéreas, há certa equivalência com o TRIC, tendo sido necessárias algumas adaptações que resultaram em aglutinação de liberdade e criação de novas liberdades.

As liberdades operacionais não fazem parte do acordo de liberdades aéreas e foram concebidas no transporte rodoviário de forma a contemplar a especificidade do TRIC que atribui a este tipo de transporte maior flexibilidade comercial do que na aviação civil. Foram atribuídos números cardinais a essas liberdades para que fossem caracterizadas como liberdades que se somam às demais que foram agrupadas em números ordinais.

Por fim, ressalte-se que só há acordo no Mercosul para as liberdades fundamentais e comerciais da 1ª à 5ª e para as liberdades operacionais (OC 1, OC 2, OC 3 e OC 4). O que não impede futuros arranjos comerciais, principalmente para a sexta e a sétima liberdades, uma vez considerado, por exemplo, o avanço na relação trilateral da participação da Argentina no tráfego Brasil/Chile (4ª Liberdade – tráfego participado). Já acordos para as liberdades oitava e nona (cabotagem consecutiva e pura), vetadas pelo ATIT, exigem um maior amadurecimento nas relações mercantis, pois compreendem uma flexibilização comercial que esbarra na proteção aos mercados internos de países com grandes assimetrias econômicas e sociais (Santos, 2011).

5 Considerações finais

A inexistência de modelo específico capaz de mensurar o grau de integração operacional e comercial do TRIC e a análise mais específica deste modal justificou a concepção de uma proposta adequada às regras e formas do transporte rodoviário de cargas.

O Mercosul, apesar de não congregar juridicamente todos os possíveis graus de liberdade da terra, demonstrou ser ambiente adequado para o exercício da proposição das liberdades da terra. Principalmente, consideradas sua experiência como bloco regional de fundamental importância para o comércio sul-americano e mundial, a consagração de seus acordos firmados e o futuro almejado que permite projetar situações operacionais mais flexíveis.

Embora a proposta formulada vise à aplicação para o TRIC em qualquer bloco econômico, e em que pese a homogeneidade das variáveis rodoviárias, é valida a conformação do modelo proposto em outros países e blocos.

Da mesma forma, destaque-se que as liberdades da terra apresentadas para o TRIC podem guardar grande semelhança com o transporte rodoviário internacional de passageiros (TRIP), devendo, no entanto, ser elaborada uma análise específica deste último tipo de transporte para verificar a adequação das liberdades propostas.

Por último, recomenda-se, entre outros, estudo futuro para avaliar se a proposta apresentada traz uma maior especialização em serviços de transporte, ou seja, se favorece as vantagens comparativas, para países que se encontram num nível mais liberal nos acordos de transporte.

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