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Volume 5 Número 1 - Julho de 2013
ISSN: 2177-6571

Reportagem

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O transporte em escala nacional e a voz das ruas

Por Sílvio Barbosa da Silva Júnior

 

O último mês de junho foi marcado por uma série de protestos e outras manifestações públicas demonstrando a insatisfação da população em relação a uma série de temas, que vão desde a qualidade e preço dos serviços públicos, passando pela racionalidade dos gastos públicos, os investimentos públicos na Copa do Mundo e Olimpíadas e chegando aos casos de corrupção – isso nos diversos níveis de governo, refletindo pauta de reivindicações locais, regionais e nacionais. A impressão de parte da imprensa, de estudiosos e dos próprios governantes nos primeiros momentos foi a de não compreensão do fenômeno que vinha ocorrendo.

A sensação de não compreensão também atingiu a imprensa internacional e, em conversa com amigos brasileiros e estrangeiros, foi possível notar que também não compreendiam muito bem o que estava havendo. Num momento em que o Brasil atinge o pleno emprego, em que, apesar do pequeno crescimento econômico, tem conseguido manter os níveis de emprego, diminuir a desigualdade e a pobreza, parece pouco explicável a população tomar as ruas em protesto.

A compreensão passa pelo princípio de todo esse movimento: os protestos contra o aumento de passagens transporte público em São Paulo. Um protesto pequeno e localizado virou notícia por conta da repressão violenta que sofreu por parte da polícia do Estado de São Paulo. Num primeiro momento a mídia se posicionou contrária ao movimento e, ao mesmo tempo, parte da população se comoveu com a violência sofrida pelos manifestantes e, alguns, identificando-se com a causa, passaram a engrossar o movimento.

Este movimento da opinião pública na direção da opinião pública, por sua vez, promoveu um revés no posicionamento da mídia que, repentinamente, passou a apoiar os movimentos e, ainda, a inserir mais pautas distintas daquelas inicialmente motivadoras dos primeiros protestos e, ainda, desarticuladas. Tal dissociação não impediu que mais gente se juntasse aos movimentos, pelo contrário, estimulou que mais gente se unisse e saísse às ruas com uma gama enorme de pautas, confundindo até o mais atento dos cientistas políticos.

As principais conclusões que emergiram após os primeiros tempos de calmaria é a de que, apesar da diversidade de pautas, há algumas insatisfações bem concretas e elas envolvem a atuação do Estado – nos mais diversos níveis, envolvem a qualidade dos serviços públicos e, ainda, a moralidade das decisões públicas. A insatisfação quanto aos serviços públicos em uma ponta e quanto aos representantes eleitos em outra demonstram os itens mais visíveis para a população – basta ver a queda de popularidade dos ocupantes de cargos executivos logo após a onda de protestos – porém não mostram com exatidão onde os problemas residem.

Para além dessas duas pontas – a prestação dos serviços e os representantes eleitos -, é preciso lançar o olhar ao conjunto de instituições responsáveis pelo planejamento e regulação dos serviços públicos prestados. Embora as manifestações tenham sido focadas na qualidade do transporte público urbano, as infraestruturas e serviços de transporte interurbano também estão longe de terem um bom padrão.

Em tese de doutorado defendida no último mês de maio, analisei a atuação recente do Estado brasileiro sob a perspectiva do ordenamento do território. As conclusões nos dão conta que a rede brasileira de transportes, apesar das intervenções e melhorias recentes, segue não sendo eficiente em ordenar a ocupação do espaço nacional. Isto é claramente visível quando se nota a ausência de hierarquia do sistema viário nacional, denunciados, por exemplo, pela falta de uma rede estrutural de autoestradas e/ ou de trens de alta velocidade conectando os centros relevantes do território nacional, como existe em países ditos desenvolvidos e, até mesmo, em outros mais pobres que o Brasil.

 

Figura 1: Rodovias do PNV duplicadas em 2012. Fonte: DNIT, 2012.

Figura 2: Malha rodoviária a ser concedida no âmbito do Plano de Investimentos em Logística (PIL). Fonte: Empresa de Planejamento e Logística (EPL), 2012.

Para além da questão do ordenamento do território, a questão da articulação interinstitucional é bastante problemática: as instituições envolvidas na implantação de infraestruturas e serviços de transportes não se articulam adequadamente. Isso em diversos níveis: entre instituições do mesmo setor, entre instituições de setores distintos, entre níveis federativos.

Ainda em relação à articulação interinstitucional, é particularmente grave a falta de um diálogo qualificado entre as decisões de nível federal – sobre a rede estrutural de transportes – e aquelas tomadas nos municípios. Aqueles que decidem sobre transportes demonstram desconhecer a natureza dos impactos em nível local e as soluções possíveis.

Os municípios, apesar de dotados de mais poder desde a Constituição Federal de 1988, não possuem – em sua ampla maioria – capacidade técnica nem administrativa para gerir tais questões nem tampouco negociar com os demais níveis. Caberia ao nível mais elevado – e com mais condições técnicas e financeiras – a iniciativa de melhorar tal relação, por meio de uma visão transescalar, analisando os problemas não meramente pela ótica macro, mas considerando seus potenciais impactos nas escalas regional e local, atuando em parceria com Estados e municípios.

Outro ponto que chama a atenção é a diferença de padrão entre as infraestruturas operadas diretamente pelo Estado e aquelas delegadas à iniciativa privada. A pesquisa CNT de rodovias, realizada todos os anos pela Confederação Nacional do Transporte mostra bem essa discrepância. Voltamos aqui à questão institucional: no Brasil, as Agências Reguladoras emitem regulamentos que atingem apenas os operadores privados de infraestruturas e serviços públicos, mas não as sobre aquelas infraestruturas e serviços operados diretamente por entes públicos.

Figura 3: 10 melhores e 10 piores eixos rodoviários. Fonte: Pesquisa CNT de Rodovias, 2012.

 

Na União Europeia, particularmente em Portugal, os padrões e normas definidos pelos entes reguladores se aplicam indistintamente a operadores privados e públicos. Não seria o caso de recorrermos a esse expediente e, mediante mudança no marco legal, submeter os operadores públicos aos mesmos parâmetros exigidos dos privados?

Este texto não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas apenas lançar questões que possam ser desdobradas em proposições para solucionar o conjunto de problemas apontados. O conjunto de instituições – de governo, mas também as de Estado, que são a que fazem a intermediação entre os governos eleitos e os prestadores efetivos dos serviços - devem buscar a superação de tais problemas no intuito de oferecer algo que deve ser interesse de toda a administração pública, que é o fornecimento de um território equilibrado, servido de infraestruturas adequadas e serviços de qualidade para a população que o habita.

A Revista

A Revista ANTT é uma publicação eletrônica técnico-científica de periodicidade semestral, criada com a finalidade de divulgar o conhecimento na área de Transportes Terrestres para o público em geral, provocando o intercâmbio de informações. O público-alvo é composto por servidores, colaboradores, meio acadêmico, setor regulado, outros órgãos públicos e profissionais da área.

Entrevistados

  • Edição da Revista:
    Volume 3 Número 2
    Novembro de 2011
  • Josias Sampaio Cavalcante Júnior
    Diretor-Presidente da VALEC
    Edição da Revista:
    Volume 5 Número 1
    Julho de 2013
  • Mário David Esteves Alves
    REFER TELECOM
    Edição da Revista:
    Volume 4 Número 1
    Maio de 2012
  • Luiz Pinguelli Rosa
    Presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas
    Edição da Revista:
    Volume 4 Número 2
    Novembro de 2012
  • Luís Henrique Baldez
    Presidente Executivo da ANUT
    Edição da Revista:
    Volume 3 Número 2
    Novembro de 2011
  • Marcelo Perrupato
    Secretário Nacional de Políticas de Transportes
    Edição da Revista:
    Volume 3 Número 1
    Maio de 2011
  • Paulo Sérgio Oliveira Passos
    Ministro dos Transportes
    Edição da Revista:
    Volume 2 Número 2
    Novembro de 2010
  • José Roberto Correia Serra
    Diretor presidente da CODESP
    Edição da Revista:
    Volume 2 Número 1
    Maio de 2010
  • Bernardo José Figueiredo Gonçalves de Oliveira
    Diretor Geral da Agência Nacional de Transportes Terrestes - ANTT
    Edição da Revista:
    Volume 1 Número 1
    Novembro de 2009
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