Recentemente a ANTT editou três resoluções que impactam na forma como o transporte ferroviário é executado, contemplando questões referentes ao direito de passagem, aos direitos do usuário e aos aspectos tarifários deste modo de transportes. Com referência ao tema, entrevistamos o senhor Luís Henrique Baldez, engenheiro civil há cerca de 35 anos, Especialista em Planejamento, Finanças e Projetos pelo Banco Mundial. Foi Secretário Nacional de Transportes Terrestres do Ministério dos Transportes e atuou como consultor em Logística e Transportes. Atualmente é Presidente Executivo da ANUT, a Associação Nacional dos Usuários de Transportes de Carga.
O setor ferroviário se caracteriza por exigir grandes volumes de investimentos e necessitar de longo prazo para maturação e retorno financeiro adequados. Grandes volumes de carga e longas distâncias são atributos que viabilizam este modal de transporte. No Brasil, mais de 60% da carga é transportada pelo modal rodoviário, que é mais caro e mais agressivo ao meio ambiente que o ferroviário. Em termos de produção, o país é um dos maiores produtores mundiais de grãos e minério de ferro que são cargas tipicamente ferroviárias.
Do ponto de vista da ANUT – Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga, um sistema ferroviário eficiente, com transporte de qualidade e de baixo custo, agrega ao mercado um sentido de competitividade elevado, que permite ganhos de escala, mais abastecimento de mercado interno e externo, menores preços aos usuários e consumidores, gerando, por conseqüência, maior nível de emprego e renda.
Em termos comparativos, o modal ferroviário é economicamente mais eficiente que o rodoviário para distâncias acima de 400 km e o consumo de combustível na ferrovia eficiente é cerca de 20% do consumo numa rodovia, o que mostra o menor impacto em termos ambientais.
Portanto, investimentos em melhorias da malha atual e a expansão com novos trechos são fundamentais para dar à Economia Brasileira os fundamentos de infraestrutura que suporte o crescimento sustentável.
Desde a privatização das operações em 1997, o sistema ferroviário de carga brasileiro tem experimentado avanços significativos. As concessionárias investiram cerca de R$ 24 bilhões, a produção de transporte duplicou, a movimentação de carga saiu de um patamar da ordem de 250 milhões de t para 500 milhões de t, o índice de acidentes decresceu cerca de 80% e sua participação na matriz de transporte atingiu 25%.
Como importante efeito deste novo cenário, verificou-se o ressurgimento da indústria ferroviária que passou a produzir parte das necessidades de peças, componentes e equipamentos para o setor.
No entanto, muitos outros aspectos precisam ser melhorados para que a economia brasileira possa se apropriar de pelo menos parte destes ganhos de escala e, em certo grau, da eficiência intrínseca que o sistema permite.
O total da malha transferida ao setor privado ainda é subaproveitada – cerca de apenas 1/3 dos 28.000 km concessionados é plenamente utilizado, estando 2/3 abandonados ou completamente ociosos. Em termos de qualidade das operações, observa-se ainda pouca conectividade entre as malhas (apenas 7% da produção é realizada sob a forma de direito de passagem e tráfego mútuo), são verificados constantes atrasos na entrega das cargas, pouco (ou nenhum) investimento foi realizado para a eliminação de gargalos urbanos e passagens de nível e os acessos ferroviários têm graves carências.
Além do mais, em virtude das concessionárias manterem uma postura monopolista nas malhas, as tarifas ferroviárias são caras e não permitem que os ganhos de escala e de eficiência experimentados neste período possam ser repassados, pelo menos em parte, para as tarifas pagas pelos usuários, o que beneficiaria a sociedade como um todo ao comprar produtos a preços menores.
Foi mantido, portanto, desde a privatização, ineficiências produtivas e econômicas que não permitem dar ao sistema máxima contribuição ao desenvolvimento setorial.
A ANUT entende que tem surgido razões que este cenário tenha uma tendência de melhora com a recente atuação da ANTT na regulação e na fiscalização do setor. Um novo patamar de crescimento e desenvolvimento setorial precisa ser buscado, para que a sociedade possa usufruir dos benefícios que este modo de transporte propicia.
Como explicitado anteriormente, a ANUT entende que apesar da recuperação do setor e do grande aumento na movimentação de cargas, não havia uma evolução dos marcos regulatórios que permitissem maior equilíbrio nas relações usuário-concessionário. Todo o cenário de ineficiência regulatória, produtiva e econômica do sistema precisava ser enfrentado. Com isto, a ANTT publicou em julho deste ano, 3 (três) Resoluções que regulamentam os Direitos e Obrigações dos Usuários, o Direito de Passagem e Tráfego Mútuo e a Pactuação de Metas de Produção por Trecho e de Segurança que trouxeram maior transparência e melhores regras regulatórias para o setor.
Foi um marco para os usuários que se sentiam alijados do processo de negociação com as concessionárias, por não possuir nenhuma base normativa que amparasse suas ações.
O processo de modelagem das Resoluções foi bastante transparente e durou cerca de 7 meses, ficando em audiência pública de dezembro de 2010 a julho de 2011, onde todos os envolvidos puderam dar suas opiniões e sugestões para aprimoramento das normas.
Na visão da ANUT, estas Resoluções trarão maior competitividade ao setor ferroviário, com estímulos a novos investimentos, ao surgimento de novos operadores de transporte, à redução de custos operacionais e à cobrança de menores tarifas aos usuários do sistema.
Em primeiro lugar porque as concessionárias mantêm uma posição de monopólio dentro de sua malha. Neste caso, não negociam tarifas, as impõem. Além do mais, se apropriam de todos os ganhos de eficiência que a carga proporciona, apresentando margens financeiras de lucratividade em patamares extremamente elevadas.
Somente para exemplificar, a ANTT arbitrou um conflito de tarifas entre a MRS e a ArcelorMittal, nossa associada, para o transporte de minério de ferro. Após profundo estudo dos custos envolvidos para a produção do transporte, a ANTT concluiu que a tarifa cobrada pela MRS (R$ 34,00/t) se encontrava num patamar cerca de 40% superior àquele considerado adequada (R$ 24,00/t).
Por outro lado, as tarifas de referência (valores máximos que podem ser cobrados pelas concessionárias) estão em patamares elevados, totalmente dissociados dos custos dos transportes produzidos. Recentemente, após solicitação de outra associada da ANUT para o transporte de açúcar, a ANTT, após análise em conjunto com a ANUT e a concessionária, decidiu pela redução do teto tarifário em cerca de 35%, o que demonstra a completa inadequação deste teto.
Para equacionar esta questão tarifária, entendemos que o pleno uso das Resoluções citadas, aliada a uma eficaz atuação da ANTT nos campos da fiscalização e da presença na solução dos conflitos regulatórios e na revisão dos tetos tarifários são ações fundamentais para uma eficaz redução tarifária neste mercado.
Com relação à revisão tarifária, a ANUT acompanhou junto à ANTT o desenvolvimento, em conjunto com Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de um sistema de custos ferroviários que será a base conceitual e metodológica para a implementação desta revisão. O sistema já encontra-se implantado e em funcionamento e esperamos que até o final deste ano tenhamos novos tetos de tarifas, a serem estabelecidos a partir de 2012.
Do ponto de vista dos investimentos, pelo menos três ações são necessárias e prementes: eliminar os gargalos existentes nos acessos aos portos e nas travessias urbanas, cujas faixas de domínio estão invadidas por núcleos habitacionais e que, além de uma questão de segurança destas pessoas, acarretam uma redução de velocidade dos trens para níveis de 5 km/h, com evidente perda de eficiência operacional.
Além disto, a recuperação de trechos abandonados ou não-utilizados pelas concessionárias acarretarão maior oferta de transporte, com melhoria na logística das cargas e redução de custos de operação com maior absorção de custos fixos. Recentemente, a ANTT publicou a Deliberação nº 124, de 06/07/2011, onde determinou que as concessionárias apresentassem um plano de recuperação daqueles trechos abandonados ou os devolvessem para a União, o que encaminha o problema para uma solução.
Do ponto de vista da regulação, entendemos que a ANTT tem atuado de forma adequada à construção dos novos marcos regulatórios, na transparência em sua forma de atuação, na definição de seus objetivos estratégicos e na busca de um melhor equilíbrio nas relações entre usuários e concessionários.
Toda esta construção regulatória e de atuação da ANTT na fiscalização deste mercado levarão a uma maior competitividade, a uma redução de custos de produção do transporte e a uma conseqüente adequação nos níveis tarifários negociados em bases equilibradas entre usuários e concessionários.
A ANUT apóia todo este processo de regulação e de investimento, por entender que neste cenário, haverá ganhos para a economia, com redução de custos logísticos, maior atividade econômica, menores preços aos consumidores e maior nível de emprego e renda.