Francisco Gildemir Ferreira da Silva
Agência Nacional de Transportes Terrestres
1 O autor agradece a Funcap - Fundo de Amparo a Pesquisa do estado do Ceará e o CAPES por bolsas de doutorado mantidas no período de 2008-2009
O transporte de pessoas por via terrestre no Brasil é regulado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e é regido pelos princípios de regularidade, eficácia e modicidade tarifária. A integração nacional e o crescimento econômico de determinadas regiões dependem dessa modalidade de transporte, pois este só em 2005 transportou um total de 138.006.314 pessoas. Existem vários atores envolvidos no transporte de pessoas: os próprios usuários, os donos de empresas, os políticos, os legisladores, os reguladores, entre outros. Assim, este trabalho aponta quais atores detêm maior poder de barganha e seus interesses para definição harmonizada de políticas de regulação. Para tanto, utiliza-se do MACTOR method o qual mapea as relações entre os atores preponderantes para o desenvolvimento de uma política de regulação, utilizando a tarifação do TRIP como alavanca das políticas públicas. Ao final, o modelo de Stigler/Poltzman pode ser aplicado para verificar relações de poderes.
The coach transport in Brazil is regulated by “Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT” and it is followed by the principles of regularity, efficiency and equity. National integration and economic growth in some regions depends of this mode of transport. In 2005 it carried out a total of 138.006.314 passengers. There are several players involved in coach transport; the users, business owners, the politicians, legislators, regulators, among others. The work presents which actors have greater bargaining power and their objectives in a definition of policies of regulation. We use the MACTOR method and we map relations among actors to develop a policy regulation, using TRIP fares to apply the policies. In the end, we realize that the Stigler/Poltzman model could be used to describe the relations of the bargaining.
1 INTRODUÇÃO
No caso do transporte rodoviário compete à União, conforme o art. 21, inciso XII da Constituição Federal de 1988, explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros. O desenvolvimento da economia é sensivelmente influenciado pelo transporte de pessoas e mercadorias, contudo, estando sujeito a intervenção estatal com a ação de políticas públicas e regulatórias, destacando-se as políticas de regulação tarifária. De forma numérica, e utilizando como fonte o anuário estatístico do Ministério dos Transportes, com ano base 2001, o transporte rodoviário de passageiros (modalidades interestadual e internacional) responde por 95% da movimentação na matriz de transportes. Na modalidade interestadual o total de pessoas transportadas foi de 138.006.314 e deste montante, 43% referem-se ao transporte semi-urbano. Ao final de 2005, segundo ANTT, os números das operadoras são em 263 empresas ativas, que operam em 2.920 linhas outorgadas, sendo 2.828 destas, interestaduais. A quantidade de motoristas gira em torno de 24.540 e a frota supera os 13.000 ônibus.
O TRIP- Transporte Interestadual de Passageiros é significante para a movimentação da economia nacional, pois em 2005 o mesmo possuía 255 empresas privadas, que operam 2828 linhas, sendo responsáveis pela circulação de mais 13.000 ônibus, transportando 95% da quantidade total dos passageiros e empregando cerca de 25000 motoristas (ANTT, 2005). Por sua importância, ele contém vários atores envolvidos que estão sob a égide de órgãos reguladores, podendo, ainda, exercer pressões internas e externas a estes órgãos. Assim, para vislumbrar quem exerce essas pressões internas e externas, com base no modelo de Stigler/Poltzman em que o legislador e o regulador são também atores ativos na intervenção de mercado e sujeitos à maximização de suas próprias utilidades, este trabalho apresenta um estudo utilizando o MACTOR method para identificar as relações dos atores e comprovar a aplicabilidade da proposta de Stigler/Poltzman.
Este trabalho está dividido em mais quatro seções. A segunda seção descreve a regulação econômica do transporte de pessoas por via terrestre; em seguida, apresenta-se a teoria econômica por trás da regulação; na quarta seção, apresenta-se o método utilizado e o estudo de caso; por fim, conclui-se o trabalho.
2 REGULAÇÃO DO TRANSPORTE DE PESSOAS POR VIA TERRESTRE
Segundo Aragão et. al. (2000), o Brasil era um tradicional seguidor da linha do direito francês, mas estava cada vez mais pressionado para reformar sua lógica de intervenção estatal segundo preceitos doutrinários da Common Law, onde, segundo Stoffaës apud Orrico Filho et. al. (1999), o Estado é uma espécie de árbitro dos interesses dos provedores privados e desses com a sociedade, transformando organismos gerenciadores em “agências regulatórias”. Isso aconteceu no setor de transportes com a Lei nº. 10.233/01, que reestruturou o setor e criou as agências de transporte, obviamente restando resquícios dos preceitos franceses, que contrastam com os do Common Law e que devem ser estudadas sem suas transições e adaptações.
A mudança na legislação acarretou alterações na lógica intervencionista brasileira, passando de departamental para agências reguladoras. A figura jurídica de serviço público foi adotada e, assim, segundo Aragão et. al. (2000), tais serviços, além de terem de bem servir ao consumidor, cumpririam um papel básico de garantia de direito de cidadania e de coesão social e nacional. Para o caso brasileiro, o papel do Poder Público não é apenas de fazer um mercado funcionar “eficientemente”, mas também de prover diretamente serviços tidos como fundamentais, ficando explícito no art. 175 da Constituição Brasileira e de acordo com os preceitos de interesse público e o princípio da legalidade. Já para o caso do transporte rodoviário de passageiros, seja nacional ou internacional, a Constituição Federal aborda sua delegação, seja por autorização, permissão ou concessão no seu art. 21.
O transporte terrestre é regulado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). No que diz respeito ao modo rodoviário ela regula tanto as concessões de rodovias como na permissão para exploração de linhas de transporte rodoviário de passageiros, e regula também o transporte de cargas. Isso ocorre por ter um sistema transitório entre a proposta departamental de outrora e a legitimada pela Lei 10.233 de junho de 2001, que pressupõe a intervenção no mercado pela agência por meio de resoluções, o que vem se configurando nos cinco anos de existência da ANTT. Destaque-se a fixação das tarifas como mecanismo de regulação do TRIP.
3 TEORIA ECONÔMICA DA REGULAÇÃO
A teoria econômica da regulação visa apontar linhas de ação, quando e como o Estado deve se apresentar para intervir no processo econômico, com vistas a combater as falhas de mercado, restabelecer o equilíbrio no mercado ou entre os vários mercados e impulsionar o desenvolvimento econômico, garantindo, porém, sua estabilidade e sustentabilidade (Orrico Filho et. al. 1999). A intervenção se justifica quando o mercado se afasta da eficiência e eficácia alocativas. Aragão et. al .(2000) indicam as seguintes falhas de mercado: concorrência imperfeita (monopólios, oligopólios e lucros rentistas); externalidades (spillovers); insatisfação da taxa de retorno e excesso de competição; falhas de informação e outras razões (LAFFONT e TIROLE, 1993).
A divisão da teoria da regulação se faz em três grandes temas: política antitruste, regulação econômica e regulação não-econômica (Orrico Filho et. al. 1999). O primeiro tema aborda o controle do abuso do poder econômico e de práticas anticompetitivas por parte de empresas em um ambiente de concorrência imperfeita. O segundo analisa as situações típicas de monopólio natural e de regulação de mercados potencialmente competitivos, onde as características estruturais de determinados setores (por exemplo, barreira à entrada e saída, presença de economias de escala e de rendimentos decrescentes) impõem limites à concorrência. Já o último tema foca nas intervenções na produção para reduzir, prevenir ou remediar danos sociais e ambientais decorrentes dos riscos produzidos na produção de determinados bens (externalidades) (Viscusi et al., 2000; Mello, 2002 e Pinto Jr.; Fiani, 2002; e LAFFONT e TIROLE, 1993).
Os aspectos teóricos da regulação econômica definem um papel mais dinâmico para o Estado, o que não é diferente para o setor de transportes. Deve-se distinguir o bem do serviço público, se o interesse público é atingido, seguido, do princípio da legalidade, e, por fim, quem são os envolvidos. Aliado às características acima, deve-se verificar se o mercado ou setor é um monopólio natural, e conseqüentemente sujeito à regulação. Para isso, analisa-se a estrutura de custo da atividade que deve apresentar uma participação grande de capital fixo, implicando em um grau relativamente alto de ociosidade e economia de escala e o custo marginal deve ficar abaixo do custo médio, conforme pode ser visto na Figura 1.
FIGURA 1: Relação entre custo médio e custo marginal em situações de alta participação de capital fixo (PINDYCK, E, RUBINFELD,1999) .
Para o caso de ser potencialmente competitivo, verifica-se se o mercado é contestável, ou seja, se o mercado suporta mais de uma empresa, sem comprometer a eficácia alocativa e eficiência produtiva. Além disso, deve-se, segundo Mello (2002), investigar as condições de entrada e/ou saída do mercado ou da indústria.
Os aspectos da questão econômica surgem da necessidade de restabelecer uma estrutura competitiva de mercado ou promover o desenvolvimento econômico. Para tanto, se adota como diretriz a maximização da utilidade coletiva, o fomento e estabelecimento de um crescimento econômico sustentável e a redistribuição de renda (Orrico Filho, et.al 1999). O entendimento vem do fato de que os desequilíbrios de mercado e da promoção do desenvolvimento econômico prejudicam a eficiência e eficácia alocativa, comprometendo o que é desejado na Figura 1.
Outras razões que acarretam falhas de mercado e citadas por Aragão et. al.(2000) são: escassez de determinados bens essenciais ou condições de produção; situações de desigualdade de poder de negociação; necessidades de racionalização, quando essa é dificilmente atingida pelos mecanismos de mercado; situações de risco moral, tipicamente presentes quando o comprador não se identifica com o pagador da compra; razões de interesses estratégico-militares e de política social.
Viscusi et. al. (2000) indica os modelos de Stigler/Poltzman e Becker como tentativas de incorporar o componente político na análise, tendo em vista que a regulação impacta no regulador também. Assim, Stigler apud Viscusi et. al. (2000), propõe uma abordagem em que, fora as características apresentadas por Aragão et. al.(2000), tem-se o legislador e o regulador como atores ativos na intervenção de mercado e sujeitos à maximização de suas próprias utilidades.
Assim, para entender o ambiente regulatório, devem-se vislumbrar os motivos dos consumidores, empresas, Estado, legisladores, comissões reguladoras e a burocracia governamental. Só entendendo o ambiente é que se pode partir para ações que venham a determinar a efetividade da regulação, sendo necessário usar ou mecanismos clássicos de regulação ou adaptá-los para a necessidade que se estuda.
4 APLICAÇÃO DO MACTOR METHOD NA ANÁLISE DE RELAÇÕES DE TRANSPORTE DE PESSOAS POR VIA TERRESTRE NO BRASIL
MACTOR method é um método proposto por Godet (1993) com fim de identificar atores e objetivos relativos a um objeto de estudo. No geral os métodos de prospecção de futuro se aplicam a cenários macroeconômicos, vislumbrando fatos conjunturais e conhecimentos tácitos de técnicos (Bradfield, et. al.(2005)).
Como aplicação em transportes, Godet (2002) publicou um artigo que utiliza do método para estudar o comportamento dos atores no transporte aéreo na região de Paris até 1990. O método toma como base a análise estrutural e sua estrutura de análise tem como base a ponderação de ligações de atores e objetivos com o uso de grafos orientados e com magnitudes de interação, conforme a ponderação dos técnicos entrevistados.
Para analisar um conjunto de atores com o MACTOR method entrevista-se um conjunto de técnicos para saber quais atores são envolvidos em uma determinada decisão, sequencialmente, discute-se quais os interesses e objetivos de cada ator envolvido, seguindo com a ponderação das ligações que existem entre os interesses de cada ator. Além disso, estuda-se a importância de um ator para com o outro a partir do entendimento de qual influência um ator exerce sobre o outro, bem como se os mesmos podem se relacionar para atingir objetivos comuns.
Do exposto acima, partiu-se de um brainstorm com técnicos de transportes, de vários segmentos, e com foco em políticas públicas, usando a regulação tarifária, definiram-se os atores. Sete técnicos participaram do brainstorm, um do Tribunal de Contas da União, um gerente de uma empresa de transporte rodoviário interestadual de passageiros, três técnicos de transportes do Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes – CEFTRU e de dois alunos do mestrado em transportes da Universidade de Brasília que também eram usuários do TRIP. Esta fase demorou cerca de duas semanas com discussões brandas. Das entrevistas resultaram treze atores e objetivos, como segue:
Em seqüência ao delineamento dos atores, fez-se o brainstorm dos objetivos, encontrando-se quinze, conforme a lista que segue o que demorou uma semana dado a familiaridade adquirida no passo anterior:
Analisaram-se, utilizando o pacote computacional MACTOR method, os atores e objetivos, obtendo-se a escala da Figura 2. A figura mostra os atores mais competitivos, ou seja, os que apresentam maior conjunto de objetivos conflitantes. Ressalve-se que, muito embora a escala pareça diferente do esperado, uma análise mais aprofundada, utilizando objetivos convergentes dos atores, mostra a formação de grupos de interesse que podem interferir politicamente na regulação tarifária.
FIGURA 2: Escala de competitividade dos atores
Ao observar o grafo da Figura 2 e, em seqüência, o da Figura 3, verifica-se uma forte convergência entre os interesses e que podem ser retratados da seguinte forma:
Isso coaduna com a teoria econômica da regulação, onde este ajuste implica diminuição dos custos de transação, e o regulador (ANTT) se incumbe de intermediar os interesses dos usuários e dos empresários. Entretanto, os interesses da ANTT convergem moderadamente na direção dos objetivos dos empresários, e assim, o equilíbrio da governança pode ser prejudicado por uma pressão dos empresários. Ainda mais, pelo fato de os objetivos da Agência e dos usuários, aqui representados pelo Instituto de Defesa do Consumidor e Associação de Usuários, não serem convergentes.
FIGURA 3: Convergência entre os interesses dos atores.
FIGURA 4: Atores com maior convergência de interesse (objetivos).
Já os objetivos conflitantes entre os atores são: manter o equilíbrio econômico-financeiro; garantir o acesso das minorias; melhorar a rentabilidade do empreendimento; melhorar o nível de serviço; e adequar o serviço às demandas e qualidades exigidas pelos usuários.
5 CONCLUSÕES
Uma análise dos objetivos dos atores contribui para as seguintes conclusões:
Obteve-se, ainda, a comprovação empírica de uma possível estrutura de governança presente na regulação econômica brasileira (governança trilateral), além de apresentar a possibilidade de intervenção dos empresários com seu poder de barganha sobre as ações do MT e da ANTT. Salientando-se que este resultado é fruto de uma reflexão de pessoas e que exige o uso de mais técnicas e dados para a comprovação na sua totalidade.
Encontrou-se, também, a necessidade de utilização do modelo de Stigler/Poltzman como indicador da efetividade da ação reguladora, dado a possibilidade de formação de conluios para intervenções na ANTT e do MT. Como em um Estado regulador os órgãos que exercem a função regulatória alavancam o processo de crescimento econômico, bem entender as relações dos atores e suas possibilidades de intervenção serve para melhor negociar com vistas a atingir o interesse público.
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