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Volume 1 Número 1 - Novembro de 2009
ISSN: 2177-6571

DEMANDA DE TRANSPORTE NOS SISTEMAS DE ALTA VELOCIDADE: EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL E ANALOGIAS COM O TAV BRASIL

TRANSPORT DEMAND IN HIGH SPEED SYSTEMS: INTERNATIONAL EXPERIENCE AND ANALOGIES WITH TAV BRASIL
21/11/2009

Luiz Novaes de Queiróz

Resumo

O artigo objetiva analisar aspectos da demanda de transporte dos denominados “sistemas ferroviários de alta velocidade” implantados no mundo ao longo das últimas décadas e suas possíveis semelhanças ou diferenças em relação ao TAV Brasil. Focaliza-se, com mais detalhe, as parcelas de demanda transferida e demanda induzida. A partir da comparação procura-se extrair conclusões/recomendações pertinentes, que possam subsidiar decisões e medidas, pelo poder público, que contribuam para o sucesso do nosso projeto.

Abstract

The article aims to analyze relevant aspects of transport demand, related to high speed rail projects implemented around the world in the last decades, and possible analogies with TAV Brasil project. Special attention is dedicated to transferred and induced demand. Based on this analysis the author seeks to draw useful conclusions/recommendations for the Brazilian Government, that may contribute for the success of our project.

1. APRESENTAÇÃO

O presente artigo objetiva analisar aspectos da demanda de transporte de sistemas de alta velocidade nas diversas partes do mundo e possíveis analogias com o TAV Brasil. Tal análise torna-se oportuna na medida em que foi iniciado o processo licitatório para implantação – via concessão – do primeiro sistema high speed rail no nosso país, previsto para ligar as cidades do Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas, e considerando que um dos aspectos mais críticos para viabilização de tal sistema será o volume de passageiros que transportará.

Ao longo da análise procura-se identificar possíveis semelhanças e diferenças entre as experiências internacionais e o nosso TAV, que possam servir de lição aos gestores do projeto brasileiro, contribuindo para a discussão técnica do projeto e subsidiando decisões.

O artigo focaliza com mais atenção os aspectos relacionados às incertezas quanto ao grau de previsibilidade da demanda desses sistemas, o potencial de atração de demanda de outros modos concorrentes (demanda transferida) e, finalmente, a demanda induzida: usuários que anteriormente não realizavam viagens no sistema de transporte da região beneficiada pelo novo projeto, e que, em função do mesmo se sentem estimulados a fazer tais deslocamentos.

Na elaboração do artigo o autor se baseou em estudos ou relatórios publicados em várias publicações técnicas no mundo, relatórios de operadoras e também em trabalhos elaborados para a ANTT, que serviram de subsídio para o projeto TAV Brasil. Essas fontes de informação estão devidamente referenciadas no texto.

 

2. PROJETOS DE HIGH SPEED RAIL IMPLANTADOS E EM IMPLANTAÇÃO NO MUNDO

Segundo os especialistas da área de transporte de massa, os sistemas ferroviários de alta velocidade tornaram-se o modo de transporte mais sustentável para médias e longas distâncias, de alta densidade de tráfego, em função da qualidade do transporte (comodidade, confiabilidade, pontualidade, rapidez), capacidade, acessibilidade ao centro das cidades e eficiência energética / impacto ambiental, em comparação com outros modais.

A International Union of Railways (UIC) define high-speed rail como serviços que operam regularmente a velocidades iguais ou superiores a 250 km/h em novas linhas, ou superiores a 200 km/h em linhas existentes, após adequação para esses níveis.

O primeiro exemplo dessa nova tecnologia no mundo ocorreu em 1964, no Japão, com o Shinkansen, ligando Tokyo a Osaka, projeto implantado visando os Jogos Olímpicos do citado ano. Em 1981, a França introduziu o Train à Grande Vitesse (TGV) entre Paris e Lyon, e hoje é um dos países líderes tanto em tecnologia como em número e extensão de linhas operando tais sistemas. Outros países da Europa seguiram o exemplo, como a Alemanha, Espanha, Itália e Reino Unido.

Atualmente, nos diversos continentes, existem cerca de 17 mil km operando com essas características, prevendo-se que, nos próximos 15 anos, serão construídos mais 25 mil km de novas linhas.

Os países com projetos de novas linhas para os próximos anos situam-se em vários continentes, como Arábia Saudita e Israel, além dos emergentes Egito, México, Argélia e Argentina.

Merecem destaque entre os projetos os dos Estados Unidos e os da China. No primeiro caso, um dos ítens do programa de recuperação da economia americana do Presidente Obama, via investimentos na infraestrutura, é justamente a implantação de sistemas high speed (praticamente inexistentes no país), em alguns dos principais corredores do país, como Washington – Florida, Sacramento – San Francisco – Los Angeles e Detroit - Chicago, com investimentos estimados de US$ 13 bilhões nos próximos cinco anos.

O maior esforço para implantação de novas linhas entretanto será na China, onde estão sendo construídas 35 linhas high speed, com velocidades acima de 200 km/h, numa extensão total de 10.880 km (linhas novas e melhorias em existentes) até 2012 (incluindo a nova linha Beijing – Shangai, com 1.308 km, para transportar cerca de 80 milhões de passageiros/ano) e projetos para mais cerca de 7.000 km até 2020.

 

3. CARACTERÍSTICAS DA DEMANDA DE TRANSPORTE DOS HIGH SPEED RAIL

Da análise dos projetos de high speed rail implantados no mundo, ao longo das últimas décadas, dois aspectos podem ser destacados no que concerne à demanda de transporte:

a) Uma grande proporção dos projetos apresentou, após sua conclusão, volumes de passageiros inferiores ao previsto na fase de projeto, ou seja, ocorreu superestimação dos níveis previstos de demanda. Esse fato, associado à freqüente subestimação dos custos de implantação, resultou em dificuldades para a conclusão e sustentabilidade de alguns projetos, com os governos centrais tendo que aportar recursos para conclusão e operação;

b) Os novos sistemas ocasionaram um impacto muito grande no padrão de viagens das populações de sua região de influência, por um lado atraindo usuários de outros modos concorrentes (demanda transferida) e, de outro, criando o que se denomina de demanda induzida, usuários que anteriormente não realizavam viagens no sistema de transporte da região beneficiada pelo novo projeto, e que, em função do novo sistema se sentiram estimulados a fazer tais deslocamentos, por motivos diversos (trabalho, lazer, estudo, etc.).

Procura-se a seguir tecer algumas considerações sobre cada um desses aspectos.

 

4. DEMANDA REALIZADA VERSUS DEMANDA PREVISTA NOS PROJETOS DE HIGH SPEED

Levantamento recente (2007), realizado por Bent Flyvbjerg em megaprojetos (ferroviários de passageiros e rodoviários) implementados no mundo desde 1966, concluiu que, em 22 projetos ferroviários de passageiros (uma grande parte constituídos por sistemas high speed) foi constatado que a demanda real (observada efetivamente após a conclusão) se situou, em média, 50% inferior à prevista. Em três quartos dos projetos tal volume não alcançou 40% do volume estimado de passageiros. Para custos de implantação, o referido estudo apontou que, entre 44 projetos ferroviários de passageiros (high speed e ferrovias convencionais), 75% dos projetos apresentaram custos superiores a 33% em relação aos valores previstos inicialmente.

Um caso emblemático foi o importante mega projeto ferroviário, o Eurostar (Londres - Paris), concluído em 1994, para o qual foi estimada inicialmente uma demanda de 15,9 milhões de passageiros para o primeiro ano após a conclusão, volume que atingiu apenas 2,9 milhões. Só após 12 anos de conclusão a demanda desse projeto conseguiu chegar a 50% do previsto. Seus custos de implantação foram também muito elevados - 9,5 bilhões de libras contra 4,7 bilhões previstos – e apenas a partir de 2007 o Eurostar passou a registrar lucro operacional.

Na Coréia o tráfego no primeiro ano do sistema lá implantado, foi 70% abaixo da previsão, mas houve um crescimento significativo nos anos seguintes, conforme se descreve mais adiante.

Na França, onde foram implantados vários projetos ferroviários high speed, com operadores, empresas de consultoria e governo apresentando maior experiência e conhecimento de tais sistemas, apenas o TGV Paris – Lyon /Sud Est não apresentou defasagem entre a previsão e a realidade nos níveis de demanda. A Tabela 1 a seguir apresenta, no caso francês, as diferenças entre previsão e volume real, nos projetos de high speed.

Tabela 1

Projetos Ferroviários High Speed na França

 

PROJETO Extensão (Km) Ano de Abertura Ano de Comparação Volume previsto de Passageiros (Milhões / Ano) Volume real de Passageiros (Milhões / Ano) Diferença entre o real e o previsto (%)
TGV Paris – Sud Est 409 1981 1986 14,7 15,8 + 7
TGV Atlantique 280 1990 2000 30,3 26,7 - 12
TGV Nord 350 1993 2002 38,7 19,2 - 50
TGV Interconnexion 102 1996 2000 25,3 16,6 - 34
TGV Rhone Alpes 115 1994 2000 19,3 18,6 - 4
TGV Mediterranée 241 2001 2003 21,7 19,2 - 12

Fonte: Relatório do Banco Mundial de apoio ao projeto TAV Brasil

Alguns projetos no mundo, entretanto, além do TGV Sud Est francês, apresentaram um quadro mais favorável: na Coréia e Espanha linhas de high speed experimentaram volumes e taxas de crescimento bastante expressivas desde sua implantação, conforme comenta-se mais adiante. De qualquer forma, esses dados algo conflitantes demonstram a necessidade de se ter cautela ao se analisar a demanda do TAV Brasil, principalmente pelo fato de se tratar de um projeto sem similar no nosso país o que, consequentemente, torna a previsão de demanda menos precisa do que em países mais evoluídos.

 

5. A DEMANDA DE TRANSPORTE PREVISTA PARA O TAV BRASIL

O estudo de demanda do Consórcio Halcrow/Sinergia estima que, em 2008, o movimento de passageiros entre Rio e São Paulo situou-se em 7,3 milhões de passageiros/ano, com participação de 60,4% do modal aéreo, 23,1 % dos ônibus e 16,5 % dos automóveis. Os volumes de passageiros estimados para 2008 para essa rota, assim como para Rio-Campinas e rotas regionais (ligando os extremos a cidades situadas ao longo da rota do futuro TAV ou entre essas mesmas cidades intermediárias) são apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2

Matriz de transporte de passageiros em 2008 (em milhares de passageiros/ano)


Fonte: Relatório Halcrow/Sinergia (Volume 1 – Demanda e Previsão de Receitas)

Com a implantação do TAV, em 2014 (ano previsto para entrada em operação), dois aspectos importantes podem ser destacados nas projeções de demanda do Consórcio, apresentadas na Tabela 4:

a) o novo sistema captará, de forma significativa, passageiros dos outros modais concorrentes;

b) criará nova demanda de passageiros que não costumavam efetuar deslocamentos, i. e., criará demanda induzida.

No primeiro caso, as projeções prevêem que, para viagens entre Rio e São Paulo (que gerarão a maior parte da receita do sistema), o TAV absorverá 52,89% (6.435 mil viagens/ano) da demanda, ficando o aéreo com 32,11% (3.907 mil viagens), automóveis 7,89% (960 mil viagens) e ônibus 7,11 % (865 mil viagens). Em relação a 2008, em 2014 os modais aéreo e ônibus nas viagens expressas – Rio/ SP e Rio /Campinas - experimentarão inclusive redução no número absoluto de viagens, em função de passageiros que se transferirão para o TAV.

O Consórcio prevê que haverá transferência para o TAV também nas outras origens/destinos, as viagens regionais.

Tabela 3

Demanda estimada para 2014, por modo de transporte (em milhares de passageiros/ano)


Fonte: Relatório Halcrow/Sinergia – idem

Tabela 4

Demanda de Passageiros entre o Rio de Janeiro e São Paulo – 2014

MODAL

SEM O TAV COM O TAV
Mil Passageiros/ano % Mil Passageiros/ano %
TAV - - 6.435 52,89%
Aéreo 7.333 68,34% 3.907 32,11%
Carros 1.757 16,38% 960 7,89%
Ônibus 1.640 15,28% 865 7,11%
TOTAL 10.730 100,00% 12.167 100,00%

Fonte: Idem

 

Tabela 5

Demanda Estimada do TAV Brasil por tipo de serviço (em milhares de passageiros/ano)

Fonte: Idem

 

No que se refere à demanda induzida, a mesma pode ser calculada para o TAV, na ligação Rio – São Paulo, da seguinte maneira:

-Demanda induzida em 2014 = Diferença da previsão de demanda para referida ligação, com e sem TAV / Demanda prevista para o TAV = (12.167 mil – 10.730 mil) / 6.430 mil = 22,33%

-Para a rota Rio – Campinas tem-se : demanda induzida = (914 mil – 711 mil)/635 = 31,96 %

A demanda do TAV foi estimada, pelo Consórcio, a partir da utilização de metodologias consagradas na literatura técnica, com base em técnicas de pesquisa declarada e pesquisa revelada, recomendadas para casos similares ao projeto brasileiro.

Outras conclusões importantes do estudo de demanda realizado:

- Sem o TAV, a movimentação total de passageiros entre Rio e São Paulo (todos os modais) crescerá a uma taxa de 6,6% ao ano entre 2008 e 2014. Esse crescimento é aproximadamente igual ao constatado entre 2003 e 2007 entre as mesmas localidades, que se situou em 6,7% (dados do PNLT). Deve ser levado em conta que esse período foi algo atípico, com crescimento econômico acelerado, que se refletiu na maior movimentação de pessoas em todo o Brasil, principalmente pelo modal aéreo, nos fluxos interurbanos.

- Com o TAV, tal movimentação total (abrangendo também todos os modais) crescerá a 8,8% ao ano, sendo a diferença entre as taxas (6,6% e 8,8%) decorrente da demanda induzida pelo novo sistema. Conforme se verá adiante, esse nível de demanda induzida é compatível com o que aconteceu em outros projetos similares, ao redor do mundo.

 

6. DEMANDA TRANSFERIDA E INDUZIDA NO RESTO DO MUNDO

Alguns benchmarkings no mundo – locais onde se implantaram sistemas equivalentes ao TAV Brasil- podem ser tomados como exemplo para efeito de comparação e análise do nosso projeto.

- TGV Paris – Lyon/Sud-Est
Essa linha de alta velocidade, inaugurada no final de 1981 e ligando as cidades de Paris (10 milhões de habitantes) e Lyon (465 mil habitantes), na França, tem 447 km de extensão. Foi implantada em função do alto grau de congestionamento no corredor citado, nos modais então existentes: linha ferroviária convencional, ponte aérea e rodovia. Constitui ligação praticamente de ponta a ponta (tem duas pequenas paradas intermediárias, mas mais de 90% das viagens ocorrem entre os pontos extremos).

Apesar de ter registrado, no ano de abertura, uma demanda inferior ao estimado no projeto, a evolução nos anos posteriores foi impressionante, devido principalmente à demanda induzida.

Com efeito, em 1982 (um ano após a abertura) a citada linha transportava 6 milhões de passageiros/ano, evoluindo para 15 milhões em 1985, 18 milhões em 1990, 24,3 milhões em 2000 e 25,4 milhões em 2004 . Pesquisas da SNCF estimam que os serviços do TGV Sud-Est propiciaram um crescimento de 60% no transporte de passageiros pelo modal ferroviário no corredor, nos primeiros cinco anos, dos quais 30% constituído por passageiros transferidos de aviões, 20% de automóveis e 50% por novos usuários, que não costumavam realizar tais viagens antes da implantação do TGV (demanda induzida).

O impacto no modal aéreo foi expressivo: antes do TGV, no citado corredor, este modal, que transportava cerca de um milhão de passageiros/ano, em 1980, viu esse volume cair nos anos seguintes, se situando em apenas 700 mil em 2002, do que resultou na redução deste modal no total das viagens no referido corredor, como se pode observar no quadro abaixo, que apresenta essa repartição modal em 1981 (um ano antes da conclusão da linha) e 1984 (dois anos depois da conclusão).

Tabela 6

Repartição Modal no Corredor Paris – Lyon Antes e Após a Implantação do TGV

MODAL % em 1981 % em 1984
Avião 31 7
Trem 40 72
Automóveis mais Ônibus 29 21
TOTAL 100 100

Fonte: European Cooperation in the Field of Scientific and Technical Research/ European Commission – Relatório COST 318 / “Interaction Between High Speed and Air passenger Transport” – Abril 1996

Registre-se que essa transferência decorreu, em grande medida, pela política tarifária para o TGV, pela SNCF, que propiciou preços competitivos para o novo sistema, em comparação com o modal aéreo. Atualmente (setembro/2009), uma viagem Paris / Lyon, por TGV, classe econômica (2 h e 01 minuto), custa entre 58 e 76 Euros (ida/volta). Por avião (1h e 05 minutos), a tarifa mais barata (empresas aéreas tipo low cost – low fare, comprada com um mês de antecedência) custa 119,48 Euros (também ida/volta). Nas linhas aéreas normais (Air France, por exemplo), vôos regulares, o valor mínimo é cerca de 180 Euros. Estima-se que atualmente, considerando apenas os dois principais modais de transporte público no corredor, TGV e avião (os ônibus têm participação insignificante), o market share do TGV situe-se em torno de 90%.

A transferência modal no citado corredor foi muito mais acentuada que a prevista para o Tav Brasil, onde se prevê que, com o TAV, o modal aéreo cairá de uma participação de 68 % em 2008 para 32% em 2014.

Apesar de algumas semelhanças com o TAV/Rio/SP, o TGV/Sud-Est francês funciona numa realidade diferente da nossa. O volume de população da área de influência, no nosso caso, é, por um lado, muito superior: RMRJ e RMSP juntas, têm uma população de nada menos de 40 milhões de habitantes, contra menos de 11 milhôes para Paris e Lyon juntas. A renda per-capita da França é, entretanto muito maior e mais bem distribuída que a das metrópoles brasileiras, o que resulta numa taxa de mobilidade maior (viagens/ habitante/ano). Esses fatos devem ser levados em conta ao se procurar fazer analogias sobre o potencial de geração de demanda induzida do TAV, levando em conta esse benchmarking francês.

- KTX (Korea Train Express)
O high speed train coreano foi inaugurado em abril/2004, contemplando duas linhas: Seul – Busan (412 km, 9 estações) e Seul – Mokpo (352 km, 9 estações). Cerca de 70% da população da Coréia, de 48,5 milhões de habitantes, vive na área de influência do Corredor Seul - Busan, que gera dois terços das viagens diárias de passageiros do país. Com a implantação do KTX, a maior parte da população do país passou a situar-se dentro do que os especialistas chamam de uma mesma daily-life zone, isto é, uma zona ou área dentro da qual todos os pontos podem ser acessados por uma viagem de, no máximo, 3 horas (ida e volta), trabalhar (ou fazer outra atividade) por 6 a 8 horas e voltar para casa no mesmo dia.

Como resultado dessa alteração significativa no padrão de acessibilidade, o KTX tem atraído uma parcela significativa dos usuários de transporte na região. No primeiro ano transportou cerca de 70.000 passageiros/dia (mais de 21 milhôes de passageiros/ano) - abaixo do previsto no projeto - mas já em 2006 tal volume atingiu uma média de 100.000 passageiros/dia. Mais da metade (51,3% ) dos passageiros do KTX viajavam anteriormente de trem convencional nos mesmos corredores, 18,7% de avião e os restantes por outros meios., inclusive automóveis particulares. Uma proporção de 30,4% dos passageiros, no Corredor Seul – Busan (KTX e ferrovia convencional), é constituída de demanda transferida de outros modos para o KTX e para a ferrovia convencional. Não se tem uma estimativa precisa da demanda induzida, mas técnicos do setor estimam que a mesma atingiu proporção significativa nesse sistema.

Nesse caso, o que se deve levar em conta ao comparar o KTX como benchmarking para nosso projeto é, principalmente, o fato de o mesmo contemplar uma linha implantada ao longo de um corredor bastante denso em termos populacionais, com várias estações, três das quais localizadas na região metropolitana da capital, com tráfego marcadamente pendular (commuters), diferente do nosso TAV, que terá um tráfego interurbano.

-Outros sistemas do mundo
A geração de demanda induzida é um fenômeno comum em outros países do mundo, onde foram implantados sistemas de alta velocidade para passageiros. Na linda Madrid-Sevilha, na Espanha, inaugarada em 1992, esse percentual atingiu 34% (ANDRÉS LOPEZ PITA, ET.AL, 2006), registrando-se também significativa transferência intermodal no corredor citado: em 1991 (antes da conclusão da linha) o modal ferroviário contribuía com apenas 16% das viagens, percentual que cresceu para 51% em 1994 (dois anos após a conclusão); ao mesmo tempo o modal aéreo decresceu de 40% para 13% entre os citados anos. Na linha chamada "Robin Hood Line" (Nottinghamshire - Derbyshire), Inglaterra, aberta em 1995, a proporção atingida pela demanda induzida é estimada em 39%. Similarmente ao nosso TAV, sua demanda encontra-se distribuída ao longo das linhas e não concentrada nos extremos.

- Comentários
O Consórcio que elaborou o estudo de demanda do TAV Brasil fez algumas comparações internacionais sobre a competição do novo sistema com o modal aéreo, justamente o qual se prevê que sofrerá maior impacto do high speed train brasileiro.

O mesmo conclui que, no caso brasileiro, pelo fato de os aeroportos estarem perto do centro (Congonhas e Santos Dumont, principalmente), haverá maior competição desse modal com o TAV, razão pela qual o TAV tenderá – em termos relativos - a absorver menos passageiros do modal aéreo do que os outros sistemas de outros países. Na França e Espanha, conforme vimos, essa transferência modal foi muito mais significativa do que o previsto para o TAV. Ainda assim, conforme visto, os estudos estimam que essa absorção pelo TAV será expressiva.

Para a demanda induzida, pelo que foi apresentado acima, os índices previstos para o TAV são mais ou menos compatíveis com o que ocorreu em outros países. Deve-se alertar entretanto que essa indução, nos projetos analisados, não ocorreu de imediato, mas progressivamente ao longo do tempo. Técnicos do setor estimam que esse processo, nos projetos similares, ocorre de forma mais intensa entre os anos 2 e 5 após a conclusão dos mesmos. No TAV uma significativa indução (22,33% da demanda de viagens entre Rio e SP) está sendo estimada no estudo já para 2014, ano previsto para entrada em operação.


 

7. CONCLUSÕES

Da análise da experiência internacional e comparações com o TAV Brasil, pode-se destacar as seguintes conclusões quanto às previsões de demanda:

- a experiência internacional demonstra que, numa proporção bastante acentuada dos sistemas as previsões de demanda não alcançaram as metas estimadas nos projetos para os anos de abertura. A consideração desse fato se torna importante para o TAV Brasil, na medida em que não se tem, no nosso país, uma referência de projetos com essa característica, tornando mais incertas previsões baseadas em modelos comportamentais, como os utilizados nos estudo do TAV Brasil. Alguns projetos importantes, como o TGV Sud Est e o projeto coreano, entretanto, apesar dos percalços iniciais, recuperaram-se posteriormente, em função, em boa parte, da demanda induzida. Isso parece demonstrar que em tais projetos esse processo de indução não ocorre de forma intensa na abertura, mas de forma gradual ao longo dos primeiros anos de operação.

- os índices previstos de demanda transferida de outros modais para o TAV Brasil, estão compatíveis com o ocorrido em outros projetos implantados no mundo e, para os anos subseqüentes à sua implantação, as taxas de crescimento previstas para a sua demanda não podem ser consideradas exageradas à luz da experiência internacional. Lembremo-nos entretanto que alguns TGV´s franceses, mesmo após vários anos, não alcançaram volumes projetados de demanda.

- de qualquer forma, esses exemplos conflitantes e as incertezas quanto ao futuro da economia aconselham cautela. Seria conveniente pois, na modelagem financeira da concessão, atenção especial a esse aspecto, com possível estabelecimento de medidas mitigatórias para o risco de demanda. Essas medidas mitigatórias teriam obviamente que atender à legislação brasileira, a qual é algo restritiva à adoção de cláusulas contratuais com esse objetivo.

- para finalizar, deve-se ressaltar que, nos meios técnicos existe uma convicção razoavelmente consolidada – embasada também na experiência internacional de projetos similares – de que os maiores desafios do projeto TAV Brasil situar-se-ão, não necessariamente na materialização da demanda estimada nos estudos mas, na viabilização dos recursos financeiros necessários para sua implantação.

 

REFERÊNCIAS

Flyvbjerg, Bent – Cost Overruns and Demand Shortfalls in Urban Rail and Other Infrastructure – Revista Transportation Planning and Technology, Fevereiro 2007.

Consórcio Halcrow – Sinergia -  Projeto TAV Brasil – Volume 1– Estimativas de Demanda e Receita – Relatório Final –– Junho /2009 – Disponibilizado no site da ANTT, na consulta pública sobre o TAV.

SNCF (Jean Paul Balensi) – French Highspeed on Southeast TGV Line: 25 years of Evolution – 2005

Dong – Chun Shin – Recent Experience of and Prospects for High-Speed Rail in Korea:Implications of a Transport System and Regional Development from a Global Perspective; Universidade de Berkeley/USA, 2005.

Andrés Lopez Pita, et. Al. - Feasibility of High Speed Railway Network on the main Corridors of Countries Recently Incorporated into the European Union - 2006

European Cooperation in the Field of Scientific and Technical Research/ European Commission – COST 318 - Interaction Between High Speed and Air passenger Transport – Abril 1996

 

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