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Volume 2 Número 1 - Maio de 2010
ISSN: 2177-6571

O PEDÁGIO NAS CONCESSÕES DE RODOVIAS BRASILEIRAS: TAXA OU TARIFA?

THE TOLL ON BRAZILIAN'S HIGHWAYS CONCESSIONS: TAX OR TARIFF?
21/05/2010

Otto Amaury de Carvalho Alves
Agência nacional de Transportes Terrestres

Resumo

Um dos temas que continua desafiando os juristas, não só no Brasil, mas em outras nações, diz respeito à natureza jurídica do pedágio. Esta questão, aparentemente despida de maior importância, na verdade se reveste de enorme relevância, na medida em que define o regime jurídico a que se submete tal exação. Segundo a doutrina, o pedágio tanto pode ser tributo (taxa de serviço), quando se subordina ao regime constitucional-tributário, como pode ser preço público (tarifa), caso em que se subordina ao regime jurídico administrativo, ou pode, ainda, ser considerado um instituto sui generis, comportando-se ora como taxa de serviço, ora como preço público. O presente estudo tem por escopo demonstrar as principais contribuições técnico-jurídicas existentes acerca da natureza jurídica do pedágio e os problemas ocasionados por sua dúbia interpretação, com ênfase na legislação, doutrina e jurisprudência pátrias. Analisaremos o pedágio e suas diversas naturezas jurídicas, apresentando-se como: taxa de serviço; preço público; e figura sui generis. Assim, discutir e identificar a real natureza jurídica do pedágio constitui tema de grande relevância e interesse não apenas para os juristas, mas para os agentes políticos, os cientistas políticos, e a Sociedade em geral, uma vez que tem inegáveis repercussões no exercício da cidadania.

Palavras-chave: natureza juridica do pedagio, tributos, concessoes de rodovias, servicos publicos.
Abstract

One of the subjects that continue defying the jurists, not only in Brazil, but in other nations, is the legal nature of the toll. This question, apparently bared of higher importance, in truth resembles with enormous relevance, while defines the legal regime that this exaction is submitted. According to the doctrine, the toll in such way can be a tribute (service tax), when subordinated to the constitutional-tributary regime; it can be a public price (tariff), in case it’s subordinated to the legal administrative regime, or it still can be considered a sui generis institute, presented sometimes as service tax or as public price. The present study objects to demonstrate the main existing legal contributions about the legal nature of the toll and the problems caused for its double interpretation, with emphasis in the Brazilian’s legislation, doctrine and jurisprudence. We will analyze the toll and its different legal natures, presented as: service tax; public price; and a sui generis case. So, to discuss and to identify the real legal nature of the toll, not only constitutes subject of great relevance and interest for the jurists, but for the political agents, the political scientists, and the Society in general, once there are undeniable repercussions in the exercise of the citizenship.

Keywords: toll’s legal nature, tributes, highway’s concessions, public services.

1. Introdução

Tema que suscita grandes controvérsias entre os doutrinadores pátrios diz respeito à natureza jurídica do pedágio. Os debates acerca do tema buscam definir se a referida cobrança corresponde a um tributo ou a uma tarifa; e, em se tratando de tributo, em qual espécie ela se enquadraria.

A possibilidade de instituição dessa cobrança vem expressamente prevista na Constituição Federal, em seu art. 150, segundo o qual, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.

Assim, cresce a importância do assunto afeto à referida prestação e à definição de sua natureza jurídica, tendo em vista essa crescente concessão de rodovias à exploração da iniciativa privada, pois que surgem dúvidas quanto aos critérios regentes dessa atividade. Deve-se seguir o regime constitucional aplicável aos tributos, ou devem ser aplicados critérios jurídico-legais aplicáveis aos contratos administrativos?

É certo que para a transferência da execução de obras e serviços relativos à manutenção das rodovias deve-se seguir um regime próprio, conforme será demonstrado no desenvolver deste trabalho. Entretanto, a doutrina não é unânime quanto à natureza jurídica do pedágio cobrado como contraprestação do serviço ofertado, havendo discussões acirradas relativas ao tema. Daí a justificativa do presente trabalho, cujo objetivo, porém não é o de estabelecer um ponto final quanto ao assunto, mas demonstrar as principais contribuições técnico-jurídicas existentes acerca da natureza jurídica do pedágio, e os problemas ocasionados por sua dúbia interpretação, com ênfase na legislação, doutrina e jurisprudência pátrias.

2. Concessões rodoviárias no Brasil

A concessão e a permissão constituem formas de descentralização da execução de serviços públicos. São instrumentos a serviço do Estado para ofertar utilidades que supram as necessidades dos cidadãos. Esses institutos estão previstos no art. 175 da Carta Magna, estabelecendo que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Assevera, ainda, o mesmo dispositivo, que a lei disporá sobre: o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; os direitos dos usuários; a política tarifária; e a obrigação de manter serviço adequado.

Nesse diapasão, entende-se por serviço público concedido aquele que é executado pelo particular, em seu nome e por sua conta e risco, segundo cláusulas contratuais fixadas, mas alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, desde que obedecido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em regra, mediante taxa ou tarifa.

Conforme conceitua Meirelles (2003, p. 163),

Concessão é a delegação contratual da execução do serviço, na forma autorizada e regulamentada pelo executivo. O Contrato de concessão é ajuste de Direito Administrativo, bilateral, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae. Com isto se afirma que é um acordo administrativo (e não um ato unilateral da Administração), com vantagens e encargos recíprocos, no qual se fixam as condições de prestação do serviço[...]. Sendo um contrato administrativo, como é, fica sujeito a todas as imposições da Administração necessárias à formalização do ajuste, dentre as quais a autorização governamental, a regulamentação e a licitação.

É de frisar que esse instituto pode abarcar duas formas de prestação de utilidade pública: as obras e os serviços públicos. Diferenciando-as, assevera o mestre Celso Antonio Bandeira de Mello (2003, p. 621) que,

Obra pública é a construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público.[...] De fato, serviço público e obra pública distinguem-se com grande nitidez, como se vê da seguinte comparação:
a) a obra é, em si mesma, um produto estático; o serviço é uma atividade, algo dinâmico;

b) a obra é uma coisa: o produto cristalizado de uma operação humana; o serviço é a própria operação ensejadora do desfrute;

c) a fruição da obra, uma vez realizada, independe de uma prestação, é captada diretamente, salvo quando é apenas o suporte material para a prestação de um serviço; a fruição do serviço é a fruição da própria prestação; assim, depende sempre integralmente dela;

d) a obra, para ser executada, não presume a prévia existência de um serviço; o serviço público, normalmente, para ser prestado, pressupõe uma obra que lhe constitui o suporte material.

Visando a viabilizar o cumprimento do disposto no art 175 da Carta Política, foi editada a Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que regulamenta os incisos do referido dispositivo, além de trazer conceitos acerca das concessões e permissões. Nela há distinção entre concessão não precedida de obra pública e concessão precedida de obra pública.

A primeira refere-se à delegação da prestação do serviço, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

Também nesse sentido, Carvalho Filho (2003, p. 296) conceitua o referido instituto como “o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários”.

Já a concessão precedida de obra pública consiste na construção total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço por prazo determinado. Nesse caso incluem-se as concessões de construção e conservação rodoviárias, onde o concessionário é remunerado pela cobrança do pedágio.

Ainda assim, estabelece Carvalho Filho (2003, p. 298) que concessão de serviço público precedida de obra pública é,

[...] o contrato administrativo através do qual o Poder Público ajusta com a pessoa jurídica ou consórcio de empresas a execução de determinada obra pública, por sua conta e risco, delegando ao construtor, após a conclusão, sua exploração por determinado prazo.

Ocorre que inúmeras vezes os custos para atender à construção e manutenção dessas vias são elevados, demandando do Estado o investimento de vultosas somas nessa atividade, em detrimento, muitas vezes, de outras necessidades básicas e não menos importantes como a educação, a saúde e a segurança.

Devido a essa crescente necessidade é que teve início a prática de repassar o encargo da construção e manutenção das vias para a iniciativa privada. Essa prática é comum não só no Brasil, mas, também, noutros países, principalmente naqueles em processo de desenvolvimento. Surge, assim, a possibilidade de conceder a manutenção e conservação de rodovias à iniciativa privada, mediante procedimento licitatório próprio e após a devida autorização legislativa para essa transferência, instrumentalizada pelo contrato de concessão.

O contrato de concessão de exploração de rodovia é definido por Meirelles (2002, p. 370) como: “[...] documento escrito que encerra a delegação do poder concedente, define o objeto da concessão, delimita a área, forma e tempo da exploração, estabelecendo os direitos e deveres das partes e dos usuários do serviço”.

Assim, cabe ao Estado, precipuamente, a construção, conservação e manutenção das vias públicas. No entanto, com vistas à maior economicidade na prestação dos serviços, ou a uma mais adequada prestação dessas utilidades, ele poderá delegar essa atribuição a entidades privadas, utilizando-se do instrumento da concessão. Ressalte-se, como exposto acima, que a concessão de exploração das vias terrestres pela iniciativa privada deve, obrigatoriamente, ser precedida de autorização legislativa e, em todos os casos, de procedimento licitatório, em observância aos princípios constitucionais que regem a administração, sob pena de nulidade absoluta do ato.

A necessidade de licitação está expressamente prevista na Lei 8.987/95 que determina ser obrigatório o procedimento licitatório prévio no caso de concessão de serviço público. Isso revela o caráter vinculado da concessão da exploração da infra-estrutura viária, que deve respeitar os princípios e regras impostos ao administrador público. Nesse sentido, explicita o Professor Celso Antonio Bandeira de Mello (2003, p. 657):

A existência da pertinente autorização legislativa produzida nas distintas esferas competentes (federal, estadual, municipal e distrital), como é óbvio, não libera a Administração para escolher, a seu líbito, o concessionário que deseje. Deverá proceder a uma licitação a fim de que se apresentem os interessados, selecionando-se aquele que oferecer condições mais vantajosas.[...]

A Lei 8.947 estabelece em seu art. 2°, como já se viu, que a modalidade licitatória própria das concessões de serviço público (e de obra pública) é a concorrência.[...]

A licitação, como, de resto, o menciona o art. 14 da Lei 8.987, realizar-se-á na conformidade do regime próprio de tal instituto, isto é, o previsto na Lei 8.666 de 21.06.1993, atualizada pela Lei 8.883, de 08.06.1994, de par com algumas adaptações óbvias e, e certas peculiaridades.

No que se refere à autorização legislativa, de ser outorgada sempre por intermédio de lei específica. Nesse sentido, esclarece Berti (2009, p. 156) que,

[...] a concessão não é um ato discricionário da Administração Pública, que lhe autorizaria transferir as obrigações relativas à manutenção de estradas à iniciativa privada a hora que bem entendesse, da maneira como lha agradasse, sem respeitar qualquer critério técnico ou jurídico. Ao contrário, há todo um regramento a ser seguido; há parâmetros que impõem limites à atuação da administração Pública.

 

3. Remuneração do concessionário

Fundamentalmente, nas concessões de serviço público precedidas de obras públicas a remuneração do concessionário decorre do preço pago, diretamente, pelos usuários efetivos do serviço concedido.

A empresa, denominada de concessionária, ao fornecer o serviço, por sua conta e risco, obtém ressarcimento dos investimentos realizados mediante a cobrança, diretamente ao usuário, de um determinado valor. Sobre o tema esclarece Bandeira de Mello (2003, p. 672) que,

Em geral, o concessionário de serviço público (ou da obra pública) explora o serviço (ou a obra pública) mediante tarifas que cobra diretamente dos usuários, sendo daí que extrai, basicamente, a remuneração que lhe corresponde. Isto não exclui a possibilidade de que sejam também previstas outras fontes de recursos para compor-lhe a remuneração.

A Lei 8.987/95 estabelece ainda no § 1º, do art. 6º que, para haver um serviço adequado, é necessário que se tenha em vista a modicidade das tarifas cobradas. Nesse intuito, o art. 11 do mesmo diploma legal prevê que no atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas à obtenção da modicidade dessas tarifas. Essas receitas alternativas e complementares advêm, principalmente, da exploração econômica, pela empresa concessionária, da faixa de domínio da rodovia. Porém, vale ressaltar que é inexigível a cobrança pelo uso da faixa de domínio por outras concessionárias de serviço público, tendo em vista a falta previsão legal, pois, do contrário, inviabilizaria a observância do princípio da modicidade das tarifas públicas.

Por fim, cabe tecer alguns comentários acerca do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, cláusula obrigatória em qualquer contrato administrativo.

Entende-se por equilíbrio econômico-financeiro a relação de igualdade constituída pelas obrigações assumidas pelo contratante momento do ajuste e pela compensação econômica que lhe corresponderá. Tal possibilidade tem por fundamento evitar que o cumprimento da obrigação assumida se torne demasiadamente desproporcional à recompensa angariada.

Nas palavras de Berti (2009, p. 191)

Em que pese o fato de tratar-se de um contrato administrativo, vale dizer, subordinado aos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade deste mesmo interesse público, a Administração contratante [...] deve respeitar os termos inerentes à cláusula do equilíbrio econômico-financeiro [...] nas seguintes situações: a) agravos econômicos oriundos das sobrecargas decididas pelo contratante no uso de seu poder de alteração unilateral do contrato; b) agravos econômicos resultantes de medidas tomadas sob titulação jurídica diversa da contratual (teoria do fato do príncipe) [...]; c) agravos econômicos sofridos em razão de fatos imprevisíveis produzidos por forças alheias às pessoas contratantes e que convulsionem gravemente a economia do contrato [...]; d) agravos econômicos provenientes das sujeições imprevistas [...]; e) agravos econômicos resultantes da inadimplência da Administração contratante, isto é, de violação contratual de sua parte [...].

É de se ver que os motivos que podem dar causa ao reequilíbrio, originam-se de situações emergenciais ou de responsabilidade do poder concedente. Dessa forma, os reajustes periódicos dos valores tarifários devem ser previstos no contrato, quando possíveis de serem previstos, ou, uma vez verificado um motivo emergencial ensejador do desequilíbrio, a administração deve, de pronto, restabelecer o equilíbrio quebrado.

Do todo o exposto, depreende-se que a remuneração pelo serviço prestado é paga, diretamente, ao concessionário do serviço público e que, embora o poder concedente possua algumas prerrogativas, tais como: a fiscalização do contrato, o poder de rescisão unilateral, a encampação, etc., por medida de justiça, há que se preservar também os interesses da concessionária, mormente naquilo que tange à questão do equilíbrio econômico-financeiro, nas situações legalmente previstas.

 

4. Natureza jurídica do pedágio: correntes doutrinárias acerca do tema

No intuito de se definir a natureza jurídica do pedágio, uma primeira corrente sustenta ser ele mais uma subespécie de taxa, tratando-se, assim, de um tributo. Apegam-se os defensores dessa tese ao fato de a previsão para a instituição da referida cobrança encontrar-se no Capítulo I, do Título VI, relativo ao Sistema Constitucional Tributário, da nossa Carta Política. Essa tese é sustentada, dentre outros, por Amaro (2003, p. 48-49), que assim dispõe:

Essa disposição deu legitimação constitucional expressa ao pedágio. Além disso, reconheceu-lhe natureza tributária (por oposição à idéia de que ele traduziria um preço público), pois essa figura está referida num dispositivo que cuida de tributos, e como exceção a um princípio que limita a criação de tributos.

Na mesma linha de raciocínio, se manifesta o professor Kiyoshi Harada, nas seguintes palavras:

Com relação ao pedágio, cobrado nas vias públicas, a sua natureza tributária ficou claramente estabelecida pelo inciso V, do art. 150 da Constituição Federal de 1988 de sorte que o posicionamento anterior da doutrina e jurisprudência deve ceder à nova realidade. Diz o referido texto que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Portanto, a Carta Política de 1988 define, com solar clareza, que pedágio é tributo. Do contrário, a ressalva não teria sentido algum. No passado, já tivemos a taxa pela utilização efetiva ou potencial do serviço de conservação de estradas como a taxa rodoviária única e o selo pedágio. Agora, cobra-se apenas pela utilização efetiva do serviço de conservação de rodovias, ainda que sob o errôneo regime de direito privado, distorção que cabe ao Judiciário corrigir, se vier a ser provocado à luz do novo texto constitucional.

Em nossa jurisprudência, essa corrente também encontra acolhida. Neste sentido, julgou o Pretório Excelso, quando da apreciação do Recurso Extraordinário nº 181475/RS, interposto pelo Sindicato das Empresas de Transportes de Carga no Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa transcrevemos abaixo:

CONSITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – PEDÁGIO – Lei

7.712, de 22.12.88
I – Pedágio: natureza jurídica: taxa: CF, art. 145, II, art. 150, V.
II – Legitimidade constitucional do pedágio instituído pela Lei 7.712, de 1988.
III – RE não conhecido.
(RE 181475 / RS - RIO GRANDE DO SUL – Rel. Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 04/05/1999)

Com o devido respeito a essa tese, acreditamos não ser suficiente para classificação da referida cobrança como tributo o simples fato de a norma autorizadora estar ou não inserida no capítulo que trata do Sistema Constitucional Tributário, levando-se em consideração apenas a figuração topológica da referida norma.

Se assim fosse, teríamos que desconsiderar como tributos, por exemplo, a Contribuição para o Salário Educação - previsto no § 5º, do art. 212, da CF, bem como a contribuição para o PIS, prevista no art 239, do mesmo diploma, tendo em vista que ambas se encontram fora do capítulo acima referido. No entanto, é pacífico na nossa doutrina e jurisprudência que tais contribuições detêm natureza tributária. Dessa forma, vê-se que a classificação baseada unicamente na disposição geográfica da norma não é suficiente para determinar a natureza jurídica do instituto.

Além disso, os defensores dessa corrente amparam-se, ainda, no fato de a cobrança do pedágio estar vinculada, segundo eles, à utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público. Aqui, mais uma vez, ousamos discordar desse pensamento que, apesar de lógico, carece de maiores esclarecimentos.

A primeira observação que se pode fazer é que, atualmente, a quase totalidade das vias dotadas de pedágio são mantidas e conservadas não pelo Poder Público, diretamente, mas por empresas privadas sem qualquer participação de capital público, por intermédio do instituto da concessão, conforme debatido anteriormente.

Uma segunda observação pertinente refere-se ao conceito de tributo que, segundo o Código Tributário Nacional, trata-se de toda prestação pecuniária, compulsória, instituída em lei, não sancionatória e que deve ser cobrada, vinculadamente, pela Administração Pública. No caso do pedágio os recursos advindos de sua instituição não são cobrados pela Administração Pública, nem tampouco cobrados pelo particular e repassados àquela, mas sim cobrados diretamente pelo concessionário e a ele próprio destinados como forma de ressarcir-se dos investimentos realizados. Nesse sentido, preleciona Berti (2009, p. 178) que,

Ora pois, se o pedágio é pago à concessionária da estrada, a qual foi escolhida mediante licitação prévia, por certo não há como entender que o pagamento se dá em benefício do fisco, vale dizer, não é a Administração Pública, direta ou indireta [...] quem faz a cobrança.

Os defensores dessa teoria se embasam no fato de o pedágio não ser criado segundo os critérios adotados para instituição dos tributos, a saber: criação e alteração por intermédio de lei, vinculação ao princípio da anterioridade tributária, dentre outros, além de não integrar as receitas que compõem o orçamento anual dos entes federados. Assim, seria o pedágio uma contraprestação devida ao particular que, mediante simples contrato administrativo com o Poder Público, conserva e explora a rodovia.

Defende esse entendimento Bandeira de Mello, citado por Andrade (2003, p. 20), segundo o qual,

O pedágio cobrado pelas concessionárias de rodovias tem caráter de tarifa, administrativamente revisível, por ato do próprio executivo, sempre que necessário à preservação do equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Não se trata de modo algum de um tributo (taxa), sujeito aos princípios constitucionais tributários;

Nesse sentido, pondera, ainda, Berti (2009, p. 187) que,

De fato, trata-se de simples preço público, pois remunera a prestação de um serviço público, mas não é pago a ente público [...], não sendo instituído ou majorado por lei nem sujeitando-se às limitações constitucionais tributárias, tais como a anterioridade.

Também nesse sentido tem se posicionado parte da nossa jurisprudência, conforme se depreende dos excertos abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA. Insurgência do impetrante contra a cobrança de pedágio na entrada para a cidade de Diadema, de quem trafega pela rodovia dos imigrantes, sentido Capital-Santos, sob alegação de que se trata de taxa e, portanto, incluída na vedação do inciso V, do art. 150, da CF/88. Inocorrência. Não se trata de taxa, mas de preço ou tarifa. Cobrança legal e constitucional.[...] Segurança denegada. Sentença mantida. Recurso improvido.

(TJSP – Apelação Cível nº 059.881.5/4-00 – 4ª Câmara de direito público – Rel. Eduardo Braga)

PEDÁGIO – COBRANÇA – INTERDIÇÃO DA ESTRADA VELHA DO MAR, OBRIGANDO USUÁRIO DESTA A UTILIZAR-SE DA VIA ANCHIETA. Pretendida ilegalidade do pedágio. Preço público, e não taxa. [...] Denegação de segurança mantida.

(TJSP - Apelação Cível nº 244.842 – Rel. Barbosa Pereira Filho)

Tal teoria, segundo entendemos, apesar de bem próxima do conceito ideal de pedágio, possui uma lacuna de grande importância. Essa lacuna refere-se à possibilidade de o pedágio ser instituído e cobrado, diretamente, pelo Poder Público, pois, nesse caso, sua instituição e cobrança, necessariamente, deverão obedecer aos princípios constitucionais que regem a atividade tributária do Estado, e os valores decorrentes do pedágio devem, obrigatoriamente, integrar as receitas dos Governos na lei orçamentária. Nesse caso específico o pedágio revestir-se-ía de caráter tributário.

Assim, apesar de parte da doutrina e da jurisprudência pátrias reconhecer o pedágio como preço público, é notório que não esclarece totalmente as dúvidas acerca do tema quando a sua instituição estiver a cargo do próprio Poder Público, quando então a criação do pedágio e as alterações no valor cobrado deverão observar todos os princípios constitucionais tributários, além de, obrigatoriamente, haver previsão de tal receita na lei orçamentária do ente público responsável.

Por fim, há uma terceira corrente defendendo que o pedágio é uma figura sui generis, enfatizando que ele tanto pode ser tributo, como preço público, dependendo da forma de sua instituição e do ente responsável pela conservação e manutenção da via. Essa tese é defendida, dentre outros, por Cintra do Amaral e Ricardo Alexandre.

Segundo seus defensores, o pedágio será classificado como preço público quando a manutenção da rodovia - e conseqüente cobrança do pedágio - estiver sob responsabilidade de entes privados, por intermédio do instrumento da concessão de serviços públicos, subordinando-se ao regime jurídico-contratual administrativo.

Noutro sentido, será considerado tributo, na subespécie taxa de serviço, quando a referida manutenção da via e cobrança do valor estiverem, diretamente, sob responsabilidade do Poder Público, adstrito, assim, aos princípios constitucionais tributários. Nesse sentido, preleciona Cintra do Amaral, citado por Andrade (2002, p. 33),

De tudo que foi exposto, concluo:

O pedágio pode ser, conforme o caso, taxa ou tarifa. É taxa quando a rodovia é explorada diretamente pelo Poder Público, e por este cobrado do usuário. É tarifa quando pago pelo usuário a uma concessionária de obra pública.

Dessa forma, vê-se, pois, que não há unanimidade na determinação da natureza jurídica do pedágio. E que cada corrente se utiliza de critérios variados para o embasamento da definição por eles adotada.

 

5. Considerações finais

Estabelecidas as premissas que fundamentam a presente discussão, envolvendo temas típicos do direito público, que vão desde a manutenção dos serviços públicos, passando por conceitos afetos ao direito tributário, bem como, por definições de institutos do direito administrativo, podemos, enfim, estabelecer qual a definição da natureza jurídica do pedágio entendemos ser a mais coerente.

Se entendermos o pedágio como um tributo, necessário se faz enquadrá-lo numa de suas espécies, a saber: imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições sociais.

Não nos parece possível classificá-lo como imposto, pois a receita oriunda dos impostos não é vinculada a uma determinada atividade do Estado e não é cobrada em virtude de uma atuação direta do deste. Já o pedágio, em sua quase totalidade, tem sua cobrança vinculada a uma atuação de um particular, concessionário de serviço público, que se vale do valor para fazer frente às despesas na manutenção da via, bem como para sua remuneração.

No que tange à contribuição de melhoria, também não vemos similaridade com o pedágio, tendo em vista que aquela é cobrada em virtude de real valorização imobiliária, decorrente de obra pública posterior ao imóvel; enquanto que a cobrança do pedágio não se deve a uma possível valorização imobiliária causada pelas obras que lhe deram causa e, sim, pela efetiva utilização daquelas vias conservadas.

Ao compararmos o pedágio ao empréstimo compulsório, mais uma vez se decide pela impossibilidade de semelhança, pois o empréstimo compulsório é instituído para o atendimento de despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, guerra, ou sua iminência; e, ainda, para o financiamento de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, devendo o valor cobrado ser restituído ao contribuinte quando finda a situação que lhe deu causa. Logo se vê que o pedágio não se enquadra em nenhuma dessas possibilidades, pois é cobrado posteriormente à execução das obras de construção e manutenção das vias, com o objetivo de ressarcimento das despesas realizadas; e depois de cobrado não há possibilidade de devolução ao contribuinte.

No que tange às contribuições sociais, sabemos que elas têm nitidamente a intenção de instrumentalizar a intervenção do Estado no domínio econômico, financiar atividades de entidades fiscalizadoras do exercício profissional, bem como, subsidiar atividades de interesse social. O pedágio não serve de instrumento para financiar nenhuma dessas atividades. Sua finalidade é ressarcir o concessionário dos gastos sofridos com a conservação de manutenção das vias.

Por fim, cabe comparar o pedágio à taxa. Nesse ponto é que há grande confusão.

A taxa é cobrada em duas situações distintas, a saber: em razão do efetivo exercício do poder de polícia; e como contraprestação de uma atividade prestada ao contribuinte (ou posta à sua disposição), diretamente, pelo Poder Público.

De antemão, já podemos descartar a primeira possibilidade, pois na conservação e construção de rodovias não há que se falar em poder de polícia. No entanto, dúvida persiste quanto à possibilidade de enquadramento do pedágio como taxa de serviço.

Entendemos que quando o próprio poder público conserva uma rodovia e oferece determinadas utilidades, como a oferta de socorro médico e mecânico, ele está prestando um serviço, que deve ser remunerado por taxa. Ao instituir tal cobrança para custeio desses serviços haverá sim um pedágio com natureza de taxa de serviço, portanto um tributo. Nesse caso, a referida exação deverá, obrigatoriamente, obedecer a todos os princípios constitucionais que regem os tributos, conforme anotado anteriormente.

Porém, se a conservação da via e a prestação das utilidades estiverem a cargo de concessionários de serviços públicos, como ocorre na quase totalidade dos casos, não há que se falar em pedágio como sendo uma taxa, mas sim uma tarifa.

Dessa forma, de acordo com o raciocínio desenvolvido em todo o trabalho, e a partir dos pressupostos nele adotados, pode-se concluir que o pedágio pode tanto revestir a natureza jurídica de tributo, na subespécie taxa, como de preço público. Assim, acreditamos que a referida exação trata-se, na verdade, de um instituto bem singular, nos acostando ao pensamento da terceira corrente, conforme exposto no tópico anterior.

Resumindo, entendemos que quando a via for explorada diretamente pelo Poder Público o pedágio revestir-se-á da natureza de tributo - da subespécie taxa de serviço - ao qual se aplicarão as normas gerais que regem a atividade tributária do Estado. Seu fato gerador será o uso, sempre efetivo, de uma via pública conservada diretamente, pelo Poder Público, seja por órgão da administração direta, seja por entidade autárquica ou empresa controlada pelo Estado. A base de cálculo, como as das taxas em geral, será fixada em lei, devendo guardar uma relação direta com o custo da atuação estatal em que consiste o respectivo fato gerador.

Noutro norte, quando a via pública objeto da cobrança do pedágio for explorada por entidade privada, mediante contrato de concessão de serviço público, a cobrança será preço público ou tarifa. Nesse caso, sua instituição será autorizada por lei específica, mas suas alterações futuras não estarão sujeitas às amarras dos princípios constitucionais tributários, podendo ser majorada mediante simples alteração do contrato de concessão, para a manutenção do equilíbrio financeiro, desde que essa possibilidade esteja prevista na lei autorizadora.

 

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Atualizada até a EC nº 53.

______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 181475/RS, Segunda Turma, Relator: Min. Carlos Velloso. Pub DJU 25.06.1999. p. 288.

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______. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 244.842 – Rel. Barbosa Pereira Filho. Pub DJ de 25/09/1975.

AMARO. Luciano. Direito tributário brasileiro. 9 ed. São Paulo: Saraiva. 2003.

ANDRADE. Letícia Queiroz de (Organizadora). Decisões e pareceres jurídicos sobre pedágio. São Paulo: ABCR. 2002.

BERTI. Flávio de Azambuja. Pedágio: natureza jurídica. 3. ed. revista e atualizada. Curitiba: Juruá. 2009.

CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10 ed. São Paulo: Lúmen Júris. 2003.

HARADA. Kiyoshi. Pedágio é taxa e não tarifa. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1428> . Acessado em : 21 dez 2009

MEIRELLES. Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros. 2003.

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MENDONÇA. Cláudio. Transporte rodoviário: por que o Brasil depende tanto desse sistema. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/geografia/ult1701u50.jhtm. Acessado em: 19 dez 2009.

MEIRELLES. Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros. 2003.

A Revista

A Revista ANTT é uma publicação eletrônica técnico-científica de periodicidade semestral, criada com a finalidade de divulgar o conhecimento na área de Transportes Terrestres para o público em geral, provocando o intercâmbio de informações. O público-alvo é composto por servidores, colaboradores, meio acadêmico, setor regulado, outros órgãos públicos e profissionais da área.

Entrevistados

  • Edição da Revista:
    Volume 3 Número 2
    Novembro de 2011
  • Josias Sampaio Cavalcante Júnior
    Diretor-Presidente da VALEC
    Edição da Revista:
    Volume 5 Número 1
    Julho de 2013
  • Mário David Esteves Alves
    REFER TELECOM
    Edição da Revista:
    Volume 4 Número 1
    Maio de 2012
  • Luiz Pinguelli Rosa
    Presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas
    Edição da Revista:
    Volume 4 Número 2
    Novembro de 2012
  • Luís Henrique Baldez
    Presidente Executivo da ANUT
    Edição da Revista:
    Volume 3 Número 2
    Novembro de 2011
  • Marcelo Perrupato
    Secretário Nacional de Políticas de Transportes
    Edição da Revista:
    Volume 3 Número 1
    Maio de 2011
  • Paulo Sérgio Oliveira Passos
    Ministro dos Transportes
    Edição da Revista:
    Volume 2 Número 2
    Novembro de 2010
  • José Roberto Correia Serra
    Diretor presidente da CODESP
    Edição da Revista:
    Volume 2 Número 1
    Maio de 2010
  • Bernardo José Figueiredo Gonçalves de Oliveira
    Diretor Geral da Agência Nacional de Transportes Terrestes - ANTT
    Edição da Revista:
    Volume 1 Número 1
    Novembro de 2009
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